Na roda de amigas recém solteiras de uma mesa de bar qualquer, a coisa mais comum que a gente escuta, entre um gole e outro, quando se é a que reclama, ou diz, quando se é a quem apenas dá o ombro amigo, é que aquele canalha não te merece. Você (ou ela) pode ter namorado esse canalha por anos, ou apenas ficado por algumas semanas, ou começado o relacionamento para esquecer algum outro canalha. Não importa: se você foi chutada –ou chutado –,você levanta o dedo, pede mais uma dose e conclui (pra você ou pra amiga) que a outra pessoa é sempre a ruim, a outra pessoa é sempre a quem não presta, a outra pessoa é a culpada de tudo. Será?
Relacionamentos não são fáceis. Não são como os contos de fadas que engolimos quando pequenos todas as noites antes de dormir –se você teve uma mãe como a minha, que me ensinou o gosto pela leitura desde cedo, ao menos –Não é nem parecido com os dilemas que a dramaturgia tenta passar nas novelas. Não existe o fim com letras garrafais do “Felizes Para Sempre” que a gente compra de Hollywood. Cá entre nós: não pode existir felizes para sempre num mundo que existe segundas-feiras. Um relacionamento de verdade exige problemas de verdade, soluções de verdade, e, principalmente, entrega de verdade. Não cabe nele madrastas más, irmãs invejosas e aquele fura-olho que fica de olho em você, se vocês dois –o casal –se protegem direitinho, dá duas voltas na porta antes de dormir e só permitem que pessoas realmente especiais deem pitaco e entrem num relacionamento que é só de vocês. Os relacionamentos muitas vezes acabam não porque um foi canalha ou porque o outro foi embora, ou porque não havia amor, mas porque a gente não cuida, a gente não rega, a gente não vai ali tirar as ervas daninhas do jardim nem abre a janela pra entrar um pouco de sol. Vocês entendem a metáfora? Não há paixão no mundo que resista a falta de atenção, carinho, entrega e cuidados.
Cuidar do outro exige disposição e dedicação. O outro muito provavelmente ainda é estranho a seu mundo –logo seu mundo, tão organizado, logo o outro, tão desorganizado né? –mas, quando a gente gosta, a gente aceita. E aceita o outro com todas as suas imperfeiçoes. E cuida do outro como se ele fosse uma parte da gente. Cada ferida, cada machucado, cada sangue que não se estanca ali é sua ferida, seu machucado, seu sangue que não para. O outro contém um pedaço seu e por conter você évocê, de um novo jeito, sob uma nova perspectiva. Cuidar do outro exige entrega incondicional e nem todos estamos preparados para fazer isso; e nem todos merecem que façamos isso; e às vezes a gente simplesmente não acha que o outro merece nossa entrega tão corajosa assim.
Já fui quem fui embora algumas vezes da vida de caras que gostaram mesmo de mim. E eu aposto que você também foi. Já fui quem foi abandonada diversas vezes por caras que eu fui completamente apaixonada. E aposto que você também já. Também já fui daquele casal que decide ir embora juntos, junta as coisas, se despede educadamente e se manda sem traumas, cenas, dores e choros exagerados dignos da protagonista da novela clichê das nove. Nós somos um pouco de cada, sabe? Se esse outro que te deixou é o canalha da sua vida, saiba que você também já foi o canalha da vida de alguém. Você já foi quem abandonou alguém que te achava o amor da vida dele, você já foi quem largou tudo por uma aventura que não deu em nada, que não secou as lágrimas que prometeu secar, que não cuidou do coração do outro quando deveria ter cuidado. Mas amor nunca tem a ver com dever, não é? E quando vira dever, vira obrigação, já deixou de ser amor.
Ir embora nunca foi crime. Não o ir embora sincero, sem trapaças, sem mentiras, sem traições e sem ferir mais do que uma partida já fere a outra pessoa. Ficar, quando a gente já não quer mais, é que é. Esse canalha que te abandonou seria muito mais canalha se não tivesse te abandonado. Se tivesse te colocado ali ao seu lado e, mesmo sem se sentir bem, permanecido com sorrisos amarelos, desculpas de tudo bem e o bom e velho “eu também” pra cada eu te amo que você dissesse ao pé do ouvido. Ele te poupou de viver uma farsa. Agradeça a ele pela chance de poder ir atrás de uma história de verdade, em que você poderá se entregar e amar de verdade. E procure um novo amor. É difícil no começo? É. Mas é como aquela velha história de sempre que a gente sempre soube, mas precisou ler em um livro famoso pra acreditar: a gente aceita o amor que acha que merece.
E nisso a amiga que está aí te emprestando o ombro tem razão: você merece muito mais do que alguém que se entrega pela metade numa relação. Canalha ou não. Sincero ou mentiroso. O que apenas fez as malas sem dar desculpas e aquele que te entupiu de sinto muito vazios de quem, claramente, não sentia mais nada.
Na roda de amigas, seja aquela que, como eu, tenta não falar mal de seus ex, porque sabe que em algum momento da vida, você vai abandonar (ou já abandonou) alguém que te ama muito só porque não consegue amar de volta. É inevitável, entende? Cá entre nós, o maior gesto de amor que a gente pode ter por alguém que a gente respeita, mas não está apaixonado, é ir embora quando não há sentido algum em ficar só para ocupar um velho e sem graça lugar.
Um brinde ao canalha que te deixou e agora você pode procurar alguém que mereça seu carinho e cuidado. Um brinde a você, que soube exatamente a hora de parar de insistir em algo que não estava dando a lugar algum e de ir embora. Um brinde a todos nós, que não merecemos meias entregas e meios sentimentos, e que sabemos que, com toda certeza, quem te abandonou nunca te mereceu. E fica aqui um último conselho: se não arranca mais seus sorrisos, com toda certeza, gata, não merece suas lágrimas.
Postado em Endless Poem, no dia 30 de maio de 2014

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