Aos Quarenta Do Segundo Tempo

Se conheceram numa dessas festas open-bar que agitam o final de semana de universitários em cidade pequena. Ela era uma dessas morenas beijoqueiras de saia Indy que curtia música ao luar, violão, dread, e, por que não, uma maconha para desestressar. Ele era geração saúde –academia, comida balanceada e hálito de menta causado por Listerine Mais Proteção. Ela parecia deslocada no meio daquela gente toda. Sabe como é, solidão é aquilo que te agarra quando você está no meio de uma festa rodeada por pessoas, conversas, músicas altas, na tentativa frustrada de assustar o silêncio que grita dentro de cada um, e, naquele caso, dentro dela. Ele, por outro lado, estava exatamente onde queria estar. Tinha aquele sorriso branco e dezenas de garotas suspirando e sorrindo para ele.

Ela veio do sul, ele do norte. Já da para sacar: bateram. Chocaram-se um no outro, derrubaram a bebida, capotaram e aí levaram aquele soco no estômago que os fez perder o ar –e o chão, por mais alguns minutos. Mundos diferentes. Corações iguais. Ela pediu desculpa, ele falou que pegava outra bebida para ela. Lá se foi seu perfume caro, agora ele fedia a vodca, e, mais tarde, a maconha do corpo dela. Ela terminou na casa dele, na cama dele, dentro dele. No dia seguinte, nem ela mesmo acreditou. Ressaca moral às vezes é pior que ressaca de bebida mesmo. Ainda mais quando, mesmo sabendo que era errado tudo aquilo, a gente acorda com sensação de que foi a coisa mais certa que fez na vida. Ele geração saúde. Ela, geração saudade –roupas antigas, discos de vinil, sebos e Bob Marley, let’s get together.

Trocaram números, beijos, facebook e solidão. Nada tinham em comum e nenhum amigo jamais compreendeu aqueles dois. Ela gostava de barba e cabelo grande, ele odiava pelos. Ela cheirava a maconha, ele a sabonete e perfume caro. Ela estudava letras, ele gostava de cálculos. Ela lia livros que ninguém conhecia, ele via filmes que todo mundo gostava. Ela apoiava a Marcha das Vadias. Ele católico-apostólico-romano. Ela ativista, ele sem opinião. Ela de esquerda, ele direita convicta, conservador. Ela ouvia Bob Marley, Beatles, rock anos setenta. Ele gostava mesmo era de sertanejo universitário. Ele queria conhecer o mundo, ela só queria conhecer a imensidão que havia dentro dela mesma. Ele sorriso, ela palavras. Separados nunca fizeram sentido. Ela era bagunça, ele pura organização. Ele era fogo, ela era gelo. Juntos, um vulcão.

Poderiam ter dado certo. Você sabe. Se cruzasse com eles na rua acharia que foram feitos um para o outro. Mas entre diferenças gritantes, aos quarenta do segundo tempo, eles acharam uma paixão em comum. Irônico que logo a única coisa que poderia uni-los para sempre, o separaram até quem sabe um dia com um beijo seco na testa e vários xingamentos guardados na mente. Amavam o futebol. Quase digo que ela, mais do que ele. Só que ela era maloqueira sofredora. E ele, pobre coitado, era verdão até morrer.

Opostos que não se aguentam, dispostos que se cansam.

Sabe como é, pouca coisa é mais importante do que a paixão de um time. E, na hora de um clássico, não há amor que resista a tanta diferença. Nem um amor lotado de diferença, como o deles.