Me ensinaram a não sentir. Durante toda a minha vida, foi
isso que aprendi: a ser forte. A manter a pose mesmo toda machucada. A segurar
as lágrimas até ficar sozinha no meu quarto e me sufocar abraçada ao
travesseiro. A manter o sorriso ainda
que sem esperanças. A fingir-se leve, mesmo carregando um mundo nas costas. Me
ensinaram a não sentir porque mulher boa é mulher que não transparece suas
fraquezas, não pede ajuda, não implora por socorro e não precisa de um colo
que, veja bem, ninguém nunca me deu. Mulher tem que se virar sozinha, sem
precisar de ninguém, além dela mesma. Tem que se reconstruir sozinha. Se limpar
sozinha. Desinfetar as feridas sozinha. Colocar o próprio curativo e parar pra
se lastimar. Carregar o mundo nas costas sem sentir-se cansada. Mulher
inteligente é mulher que não sente. E se sente, esconde, foge, finge que não é
com ela e vai embora o mais rápido possível sem fazer estardalhaço pelo coração
batendo rápido ou a respiração ofegante. E se sente, não fala. Mas não fala
nada pelo amor de Deus, que ninguém gosta de mulher melosinha, mulher que diz o
que sente sem medo e que assume que precisa de alguém sem se sentir menos por
isso. Principalmente os homens. Ah, os homens? Os homens não suportam mulher
que sente dilaceradamente e diz sentir dilaceradamente sem medo do que eles vão
achar delas, aquelas bobonas-idiotas-apaixonadas-que-nem-conseguem-disfarçar-que-não-podem-viver-sem-mim.
Talvez por isso eu tenha gostando tanto dos personagens que
criei, me apaixonado por personagens que lia em outros livros, fortes e
independentes, sem medo de dizer o que sentiam. Talvez por isso escrevi tanto
texto perdido sobre pessoas perdidas e sentimentos perdidos porque nunca foram
encontrados por ninguém –porque foi muito bem escondido num cantinho do coração
que ninguém nunca se preocupou em procurar. Porque tava tão bem escondido sabe,
mas tão bem escondido por trás de feridas que davam nojo a quem chegava perto,
beleza que cegava, sete fechaduras e sete cadeados, e um sorriso desses que
dizem que é inesquecível que até eu acreditei que não sentia. Não sentia
nadinha. E dava risada quando via outras pessoas se entregarem –e quebrarem a
cara por consequência –em relações fracassadas que, daqui, dava pra ver que não
daria em lugar algum. E dava de ombros quando alguém vinha falar de
sentimentos, de ciúmes, de medo de perder, de vontade de ficar pra sempre
agarrado a um mesmo ombro sem precisar olhar em outra direção e sem ficar
conferindo toda hora onde é que estava a saída de emergência. E simplesmente não
me importava quando diziam que eu não podia ser assim, tão fria assim, tão
independente assim, tão segura de mim assim, a ponto de não querer tudo isso
pra minha vida. E acreditava não querer. E acreditava não sentir. E acreditava não
saber amar. E acreditava não precisar amar também.
Até você.
Porque acho que sentimento tem muito a ver com isso –com o
outro, ainda que ele seja o meu. Porque acho que uma hora ou outra eu me
descobriria romântica como as personagens dos livros que lia por aí, como os
textos em rascunhos que escrevia por aí, como as histórias malucas que sonhava
antes de dormir por aí. E quando você chegou, fiquei ali, apavorada, num canto, acuada
e perdida, porque estava sentindo tanto –mas tanto, cê num tem nem ideia –de tudo
aquilo que eu fui ensinada a não sentir.
Mas não sentir não é uma escolha nossa. Tem gente que não sente
–e tenho sentido tanto por elas, como também sinto por mim e por tudo que perdi
quando queria ser assim, sabe? –Conheci pessoas que eram mais frias do que um
gelo, ainda que tivesse o corpo mais quente que o inferno. Gente que entregava
a alma, mas segurava o coração. Gente que nunca quis sentir mais do que o que
achava que era seguro sentir. Gente como eu. Que talvez tenha sido ensinada a
ser como eu. E que talvez nunca se tenha dado a chance de aprender a ser de
outro jeito. Síndrome de Gabriela: nasci assim, cresci assim, vou morrer assim.
Não morra assim.
Você me provou que não é errado sentir, nem se entregar, nem
se envolver, nem precisar de ajuda de vez em quando, nem implorar por socorro,
nem querer usar o termo preciso-de-você-aqui-vem. Que não é menos quem fecha os
olhos e se joga na vida sem medo dos machucados, de quem aceita que machucar-se
é inevitável (ainda que nosso sofrer seja um tanto quanto opcional). Você veio
e com um sorriso meio que me destruiu inteiramente e acho que nem faz ideia da
bagunça que me deixou (e se faz, não se importa, porque parece gostar de mim
bagunçada como eu sou). E me mostrou que não sentir não faz sentido. O sentido
tá em sentir. Como naquela música que eu amo e que sempre cantava, ainda que
sem entender o que dizia: tornar o amor real é expulsa-lo de você pra que
ele possa ser de alguém.
Tornei ele real.
Me permiti sentir, independente do que andam dizendo,
censurando, implicando ou comentando sobre mim e minha aparente fraqueza.
Dei meu amor a você.
A você que me mostrou quão bom é ser fraca e pedir ajuda, de
vez em quando, se você estiver aqui.
Desculpa ao que me foi tanto ensinado, mas eu sinto. E sinto muito por você que não sente.
Olha. Chorei lendo o texto pois me identifiquei demais com ele. Perdoe-me postar como anônimo, mas é que vivo uma situação bastante delicada e não posso me expor. Mas, gostaria de contribuir contigo. Também escrevo (mal, mas de coração e com o coração) e vou enviar a você alguns rabiscos. Obrigado!
ResponderExcluirPode enviar sim! Eu vou ler com muito carinho!
Excluire obrigada!