quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Tem Muito De Nós Em Mim




Você me atropelou pelo caminho, invadiu o sinal vermelho, atravessou a contramão e me arrancou do meu ponto de segurança com um meio sorriso e muitos olhares. Você não pediu desculpa, não perguntou meu nome, não sentou pra conversar sobre o dia nem usou o tempo para puxar um primeiro assunto. Você chegou. Foi só isso: sem pretensão de ficar e sem nenhuma vontade de sair. Se instalou no sofá, na cama, na vida e no meu coração sem precisar se esforçar pra isso. E talvez por isso, porque chegou sem esforço, que eu nem fiz força para te mandar embora. Porque pareceu daqui que, mesmo você tendo me invadido inteira, aquilo era natural. Que mesmo você tendo me jogado há quilômetros de distância do meu ponto de apoio, aquilo era normal. Que mesmo você tendo buscado em sua mente um assunto inusitado, aquilo me pareceu tão banal. E é por isso que, mesmo sem ter se floreado, criado poemas, sem roupas bonitas e declarações decoradas dessas de filme-brega-romântico não me assustei com sua despretensão de quem tinha muita pretensão de ser meu.

Meu erro, talvez, foi não ter colocado fé que você era decidido demais para, depois de ter se instalado aqui, aceitar sair. Meu acerto, talvez, foi de não ter te dado a mínima atenção achando que poderia te expulsar como fiz com todos os outros a qualquer momento daqui. Coitada de mim. E coitado de você também, que deve ter se assustado com a bagunça que eu trazia no peito, a escuridão da alma que eu camuflava com sorriso-propaganda-de-colgate, o medo que eu sentia –e ainda sinto, vá, a quem quero enganar? –que escondia e ainda escondo com jogadas de cabelos pro lado e fugas com os olhos pra qualquer lugar só pra não precisar te encarar. Meu erro foi não ter brigado com você por ter me roubado meu chão, meu mundo, minhas certezas e meu coração. Ter gritado e te assustado com o quanto eu consigo ser histérica. Ter te ferido com minhas unhas vermelho-azul-preto-poderosa de quem passa muito tempo da vida arrumando-as numa tarde de ócio nada produtivo. Meu erro foi ter te achado um carinha banal que não me arrancaria mais do que umas risadas boas, uns suspiros idiotas e um adeus-até-quem-sabe-um-dia-quando-eu-quiser-te-ligar sem dor no meu coração.

E agora eu tô aqui. E você aí. E entre a gente tem um mundo de distância. A gente parecia que ia dar tão certo, né? Mas a gente vinha de estradas diferentes e apenas batemos. Chocamo-nos um no outro e nos chocamos com a intensidade do amor que apareceu sem cartão de visita-flores-cortejos-beijos-na-chuva, que simplesmente nos pegou pelo caminho, nos apanhou: não soltou. Você parecia tão pronto quanto eu pra isso. Nós parecíamos tão perdidos mesmo permitindo nos sentir, tentando nos enganar que era só mais um caso pra se contar, virar uma letra de música ou, voilá, esse texto meia-boca pra um cara de meio-sorriso sobre um sentimento meio-sem-sentido perdido no caminho.

Como é que a gente faz, agora que você me atropelou? Como é que eu cuido dos machucados, se você resolver ir? Como é que fica a bagunça, se você não me ajudar a limpar? Como é que eu, forte-insensível-dona-do-meu-mundo-rainha-do-meu-destino aprendo assim, do dia pra noite, a dividir minhas tristezas, aprendo a compartilhar a felicidades, resolvo tirar um pouco o peso do mundo no ombro e seguro sua mão? Como é que eu não me irrito com seu calor nesse calor, ou com seu frio durante o frio? Como é que a gente faz com esse amor tão louco que nos agarrou? A gente fica e vê no que vai dar, a gente corre e tenta esquecer, a gente enfrenta junto ou finge que nunca aconteceu? Mas aconteceu. Por ousadia sua, por ingenuidade minha, por erro meu e por acertos que você nem faz ideia que cometeu.

Você me atropelou e tirou meu chão. Agora eu fico aqui: perdida com você. Perdida em você. Perdida de mim e perdida de todas as minhas certezas que tinha antes de você aparecer por aqui. Me arrumo pra festa ou te assusto com minha despretensão de quem não quer te conquistar –já que já te conquistou? –Te expulso da sala ou te convido pra jantar? Te deixo ficar ou fujo eu mesma durante a madrugada, mesmo estando em minha casa?

Faço o que com isso tudo que você causou? Você, do outro lado, faz o que com tudo o que te fiz sentir sem ter a menor pretensão de ter te feito sentir?

Eu não te convidei a entrar e você não pediu licença pra chegar. Não tirou os sapatos. Não passou sua roupa. Não penteou o cabelo. Não verificou se estava combinando. Nem arrumou essas cordas aí da sua blusa milimetricamente do jeito que eu gosto. Não trouxe flores nem vinhos nem declarações nem cartas nem chocolate nem poemas nem aquele eu-te-amo cuspido, pronto, decorado em frente ao espelho –e mesmo assim me amou –Você não pediu pra sentar, não teve medo de abrir a geladeira, colocar os pés pro alto, encostar a cabeça nas mãos e dar um sorriso de quem sempre esteve ali, bem ali, no meio da minha vida, no melhor lugar do sofá, comandando o ritmo do meu coração. Você não chegou; você me inundou, se esparramou, me amarrou.

Me roubou de mim. Agora existe muito de nós no que só pertencia a mim.


E aí, o que mais restou a fazer, além de me deixar ser levada por você –logo você, que não pediu licença nem desculpa por ter chegado sem avisar, logo você que, eu nem sei, se queria me levar?


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