Estou segurando esse pedaço de papel do seu Moleskine azul há horas porque não queria ter que escrever para você, mas sei que isso é o mínimo que você merece. Você deve estar agora envolto a mil planilhas chatas no trabalho ou olhando para o porta-retrato preto com a nossa foto no mirante da primeira vez que fomos à praia. Foi uma foto espontânea porque sempre me recusava a tirar fotos e você insistia. Não as tirava justamente por não querer eternizar momentos. Eu gosto do movimento da vida, da efemeridade e o quanto tudo são flashes. Você, ao contrário, guarda o ingresso do nosso primeiro show, suas anotações do colégio, presentes que não gostou, filmes antigos e até roupas que já não servem mais. Você é tão pretérito e eu sou tão presente.
Podia jurar que ficaríamos pouquíssimo tempo juntos. Achava que nosso início-e-fim seria naquela noite de Novembro, naquele bar de hotel da capital. Estávamos hospedados a trabalho e depois de algumas doses ao som de Michael Bublé já estávamos juntos. A semana no hotel passou e em pouco tempo vim morar na sua cidade. Jamais precisei de muito esforço para mudar.Bastava um único motivo e eu ia. Sempre disse a você que sou de momentos. Já me mudei por trabalho, estudos, família, amigos e amores. Sou formada por um pedacinho de cada pessoa que convivi, mas não sou nostálgica. Tenho asas e você, raízes. Estamos há quase um ano juntos e minha vontade de mudar já me consome.
Sinto que já esgotei essa sua cidade. Conheci lugares novos, absorvi novas visões e entrei no seu mundo. Fui feliz, porém preciso ir. Queria que você fosse desprendido igual a mim. Ou queria ser apegada igual a você. Não consigo ter um emprego por anos que não goste, não consigo ter a vida toda as mesmas pessoas ao meu lado e não consigo conviver comigo todos os dias. A rotina é algo que me suga por inteira. Mesmos caminhos. Mesmas pessoas. Mesma atitude. Eu me canso e fujo. Fujo para ser outra, para sair do meu conforto e para me redescobrir novamente.
Eu nunca me defini para você e nunca menti. Sempre disse que não gostava de rótulos sobre o nosso relacionamento. Você me tratava e me apresentava como namorada às escondidas, mas eu sei que sempre fui sua ainda que rejeitasse tal título. A verdade é que estava amiga. Estava companheira. Estava amante. Estava sua.
Estou escrevendo porque não conseguiria me despedir olhando para os seus olhos tão transparentes e tão cheios de mim. Eu errei em ter ficado tanto tempo ao seu lado. Sempre que começava a conversa sobre a minha mudança, você trocava de assunto e me fazia parar. Eu passei do ponto. Eu deixei rastros demais nessa cidade. Eu marquei você. E eu odeio tudo isso. Odeio porque eu já fui quem ficou lá no início. Dezessete anos, um ano juntos, cartas na gaveta e portas-retratos quebrados. Até que troquei de cidade quando entrei na universidade e nunca mais fui estável. Minha vida, a partir dessa época, passou a ser como meus sentimentos. Instáveis.
E por tudo isso ou só por isso que não fico. Recolhi minhas roupas do seu armário, limpei a casa e troquei todas as toalhas e lençóis para que não restasse o meu cheiro. Também estou levando alguns cds e filmes que ouvíamos juntos porque eu sei que você iria vê-los e ouví-los incessantemente e você não precisa de mais lembranças. Acredito que só restou esse porta-retrato preto. Já troquei o chip do meu telefone e nem precisa tentar me ligar. O meu próximo destino? Ainda não me decidi. Talvez perto, talvez longe. Apenas coloquei tudo nas minhas duas únicas mochilas e, a essa hora que você está lendo, eu deva estar dentro do ônibus olhando as luzes brancas e vermelhas dos carros na estrada e pensando que as vias são os meus lugares preferidos.
Peço desculpas por tudo o que irei causar a você, mas deixo o conselho para você fugir algumas vezes. Não precisa ser exatamente igual a mim, mas gostaria que você arriscasse e descobrisse que saltar pode ser melhor que a terra firme. Ou ainda assim, você perceba que este é realmente o seu lugar no mundo. O lugar que recusei a ser meu.
Termino com um até logo porque "adeus" é permanente e você sabe... eu mudo.
Espero que esteja bem,
Ass: Alguém que esteve com você.
Que texto incrível, lindo mesmo. A Carol arrasou mais uma vez!
ResponderExcluirMuito lindo o texto! Descobri o blog há pouquíssimo tempo e estou adorando as postagens. Que conteúdo maravilhoso! Sério, estão de parabéns. O cabeçalho também está magnífico! Me identifiquei tanto com o destinatário da carta... Beijos e parabééns!!
ResponderExcluirLi sofrendo junto rs' Texto ótimo :D
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