sábado, 22 de agosto de 2015

Uma Última Lágrima



Ela acordou de mais um sonho com ele, a respiração ofegante e as lágrimas que caiam sem pedir permissão. Ficou um tempo esperando o corpo se recuperar pra poder levantar e partir pra mais um dia. Parou um momento na frente do espelho, analisando as olheiras e a cara de cansada, lembrou por um momento de todas as pessoas que haviam perguntado se ela não estava dormindo o suficiente. Dormia, mas aquilo não era falta de sono, aquelas manchas que trazia abaixo dos olhos refletiam a saudade que levava de alguém. Mas custava muito explicar o que sentia, então só respondia que tinha que realmente tentar dormir mais cedo.. Depois de arrumar a cama e a bolsa, seguia pra cozinha pra enfiar alguma coisa goela abaixo. As vezes passava dias inteiros sem comer nada, outras tomava um leite com achocolatado pra não ter que responder porque nunca comia. Já não sentia fome e nem prazer em comer. Havia algum tempo que não sentia prazer em mais nada.

Depois que ele se foi, ela entrou em um estado vegetativo, sorrindo sempre pras fotos e pras pessoas, afastando assim qualquer indício de que pudesse não estar bem. Só era ela mesmo quando chegava em casa e se trancava no quarto, onde as lágrimas podiam correr sem medo dos olhares alheios. Na realidade ela não era mais ninguém.

Pensava muito sobre a vida, sobre as pessoas, sobre a morte. A vida que ela tinha era "perfeita" pra quem via de fora, mas pra ela já tinha perdido o sentido de se chamar assim, vida. Às vezes doía saber que não tinha ninguém, às vezes aparecia um ou outro querendo saber como iam as coisas, mas no geral era só ela e a dor que carregava. Hoje em dia o mundo é corrido demais pra querer saber como as pessoas realmente estão.

Toda vez que vinha a lembrança dele e uma lágrima teimava em cair, pensava na morte e pedia todos os dias a Deus que a levasse, que fizesse parar o sofrimento, que não tivesse mais que respirar ou sentir a dor que sentia a cada batida do coração. Já não olhava mais para os lados ao atravessar a rua, e mesmo assim nada acontecia. Tinha sido uma covarde nos últimos 19 anos que viveu, mas apesar de amar a mãe já não era capaz de suportar tudo aquilo. Tinha certeza que ninguém mais sentiria sua falta além da mãe, afinal a única outra pessoa que importava pra ela no mundo já tinha deixado claro que não queria saber. Ela olhou as fotos dele uma última vez, lembrou da sensação de tê-lo em seu colo e de estar em seus braços. Foi até a cozinha, tomou um copo de água e foi pro banheiro. Colocou o celular pra carregar e entrou na água, via a última foto junto com ele, quando dançaram no natal na praça. E quando a primeira lágrima se misturou a água da banheira, ela deixou cair também o celular, mostrando o último sorriso dos dois.


Priscila Santana é carioca, tem 19 anos, e, se sentindo mais sozinha do que nunca, busca a cura de dores que nunca sara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Compartilhe