domingo, 11 de março de 2012

Por trás da Vidraça

Para Gabs Teodoro



Por trás da vidraça, vejo um mundo a minha frente, esperando que eu saia e entre nele, acolhido por prédios imensos e céu cinza que faz mal a minha,  a sua, a nossa saúde. Dou um suspiro. Trago um cigarro. A cinza cai no chão. Tudo bem, depois eu limpo. Ou não limpo. Tanto faz.

Fico aqui por horas. As pernas começam a doer. Mas fico, imóvel. Esperando. Porque agora sei que não demora muito mais. Deu vontade de beber um café, mas o fiz de manhã, deve estar frio. Cafés frios me dão enjoo. Pessoas frias me causam arrepios. O frio me machuca. Dou uma olhada no relógio, certo que não dá tempo de esquentar a água. Não dá. O ponteiro maior chega ao doze.

E você aparece.

Lá longe, seu caminhar destoa das outras pessoas. Você mexe seu cabelo. Esbarra em alguém. Coisa comum da hora do rush. Você sorri educadamente, mas rola os olhos, daquele jeito que você sempre fazia, e pelo jeito ainda faz, quando algo te irrita, mas precisa manter a educação. Como naquela vez que quebraram sua xícara no meio de uma festa na sua casa. Você disse: tudo bem, não tem importância. E rolou os olhos só para mim. Era sua xícara favorita e nunca conseguimos achar nenhuma parecida.

Nunca conseguimos. Passado distante. Que pode ser presente do indicativo, mas nesse caso é o dolorido pretérito perfeito. Passado que não volta. Acabou. Já era. Sem reticencias, sem chance de, numa curva da vida, voltemos a nos reencontrar. Mas a vida é reta para você. Eu sei. Tu sabes. Talvez eles também. Reta, sem paradas, sem retorno.

Mas lá vem você. Uma modelo desconhecida no meio da multidão. Com sua bolsa pendurada no ombro esquerdo. Agora você está bem perto. Consigo até ver o detalhe de sua sobrancelha esquerda, que é meio torta. Não. Eu não vejo. É porque são detalhes de seu corpo que outrora pertencestes a mim. Faz tempo. Muito tempo. Eu sei. Você sabe. Nós sabemos.

Você passa por de baixo do meu prédio. Por trás da vidraça, posso ouvir o salto agulha de sua sandália vermelha. Seu rebolado passa. Em nenhum momento você olha, como é meu desejo, como é o que espero, o motivo para que fique nessa janela, por trás da vidraça, no mesmo horário. Mas você segue reto, porque é assim que a vida é para você: reto e sem retornos.

Sigo até onde minha vista alcança. Todos os dias que passa por aqui, eu te olho, mato essa saudade. Espero que você cruze o olhar com o meu, assim por acaso, por acidente, por casualidade, para que eu possa abrir essa porta, correr escada abaixo, jogar meu corpo no seu. E não soltar nunca mais.

Eu sei, você sabe, nós sabemos que eu estou aqui. E você, indiferente, passa. Porque não sente falta, porque a vida para você é uma estrada sem volta, porque já me esqueceu. Eu não sei. Toco a vidraça, vejo o mundo a minha frente esperando que eu saia e entre nele, acolhido de prédios altos e céu cinza, não vejo mais você.

Amanhã vou estar aqui. Eu sei. Você sabe. Nós sabemos. Mas não para sempre.

Um dia você vai passar, com sua bolsa no ombro esquerdo, seu salto agulha, seu rebolado inconfundível. Vai olhar para cima, contrariando sua teoria do sem retorno. E, por trás dessa vidraça, eu sei, você sabe, nós sabemos, só haverá escuridão, vazio, nada.

O nada que sou sem você.

5 comentários:

  1. Caralhooo! AMEI! Preciso me recompor pra comentar. Me dê um tempo, sim?! Gabi Teodoro

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  2. "Eu sei. Você sabe. Nós sabemos."
    Adorei??? Essa conjugação conjulgou meu core, hahahah.

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  3. Amanhã vou estar aqui. Eu sei. Você sabe. Nós sabemos. Mas não para sempre. Verdade adorei ai Nandz parabéns cada post melhor que o outro xD

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  4. pq vc faz isso em kkkkkkkkkkkkkkk perfeitoooooooo

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  5. Mas a vida é reta para você. Eu sei. Tu sabes. Talvez eles também. Reta, sem paradas, sem retorno. /// SHOOOOOOOW!

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Comentários

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