terça-feira, 18 de junho de 2013

Só Tem Treze Anos



Passos de tamanco ecoam pela casa. A mãe escuta. Não se mexe. Tem um cigarro na mão. Uma garrafa de vodca na outra. Está deitada no sofá. Os olhos vermelhos. Olheiras roxa, A tv está ligada. Não passa nada de interessante. No quarto do barraco sua filha se arruma. Ainda era uma criança. Deve estar colocando uma saia curta de mais. Ela deveria se levantar e impedir que uma criança de treze anos saísse de casa daquele jeito, aquela hora da noite, numa terça-feira. Mas está bêbada de mais para se levantar.



Pode imaginar sua filha, passando maquiagem forte para aparentar mais idade. A saia não tem mais de um palmo. Quando ela anda, encolhe. Dá até para ver, sem grande esforço, o que deveria ser tampado. A mão de unhas vermelhas passa um batom da mesma cor. Ela retoca. Ajeita o cabelo. Faz pose de sedutora. Arruma a blusa. O decote mostra seios que ela ainda não tem. Ela gosta. Bate na própria bunda. Sorri. E fala:

-Sou poderosa.

Tem uns dentes amarelos. A mãe se pergunta se ela fuma. Deve fumar. Beber ela já bebe. Chega trocando as pernas quase todos os dias. Acha que isso é bonito. A mãe finge que não vê. Dói menos. Se estivesse sóbria perguntaria onde errou para que sua filha, tão doce quando criança, se transformasse daquele jeito. Mas nunca ficava. Doía menos.

A filha sai do quarto. Equilibra-se sobre um salto alto de mais. Rebola de mais. Se insinua de mais. Só tem treze anos.

A mãe tenta levantar, não consegue. A filha sorri e diz que vai dar uma volta. Ela pergunta, a língua enrolada, para onde. A filha fala um simples por aí. A mãe suspira. A menina pega uns trocados na gaveta. Não se preocupe, inclina o corpo e fecha a gaveta, sei me cuidar. A mãe se pergunta se sabe mesmo. Está cansada de mais. Bêbada de mais. Não discute. Fecha os olhos e se dá por vencida. Dói menos.

A filha sai. Faz bola de chiclete. Enrola uma mecha de seu cabelo pintado. E rebola. Acha que isso é sexy. Só tem treze anos. Vira a esquina. Dois rapazes mexem com ela. Ela sorri. Rebola mais.

O tamanco bate no asfalto. Ela para num bar. Se inclina no balcão. Pede uma bebida. Sabe que estão todos a olhando. Ela gosta. Só tem treze anos. Sai do bar. O homem se aproxima. Pergunta quantos anos ela tem. Ela diz que é dezoito. Ele sabe que tem menos. Não passa de uns quinze. Mas não se importa. Ele pergunta se ela bebe mesmo o que está na mão dela. Ela vira o copo. Ele paga outra bebida. Ela bebe. Ri escandalosa. É fraca pro álcool. Só tem treze anos.

O homem a beija. Ela deixa. A mão dele desce e aperta a sua bunda. Ela gosta. Ele sorri. Sinal verde. Vai ter uma noite garantida. Pergunta se ela quer ir pra um lugar mais intimo. Ela aceita. Ele arrisca. Pergunta se alguns amigos podem ir juntos. Aponta. Ela observa. São bonitos. Está bêbada. Ri. Diz que sim, por que não? O homem sorri. Abre a porta do carro para ela. Ela fica atrás, no meio dos dois outros homens. Um põe a mão na coxa dela. Diz que vai ser divertido.

Ela só tem treze anos.

Não se lembra de muita coisa no dia seguinte. Deve ter bebido de mais. Acordou sozinha na cama. A cabeça doía. Lembrou-se de ter beijado um, feito carinho em outro. Ido pra cama com o terceiro. Só tem treze anos. Nem sabia os nomes deles. Foram embora no meio da noite. Deixaram um dinheiro para ela. Não era uma prostituta, disse. Disseram que era pelo serviços prestados. Com essas palavras. E riram. Ela aceitou. Era um bom dinheiro. Só tem treze anos.

Voltou pra casa. O tamanco fazendo mais barulho durante o dia. O sol quente. A maquiagem borrada. Foi a pé. O dinheiro no bolso. Seus pés doíam. Só tem treze anos. Tirou o tamanco. Andou pela sombra. Seu estômago roncava. Estava toda dolorida. Precisava dormir.

Os vizinhos não a cumprimentavam. Consideravam-na um caso perdido. Talvez não fosse. Só tem treze anos. Enrolou a mecha do cabelo. Entrou em casa. Sua mãe estava do mesmo jeito. Estirada no sofá. Um cigarro ainda aceso na mão. A vodca largada no chão. Foi até lá. Pôs a vodca na mesa. Tirou o cigarro. Tragou. Não gostava de fumar. Mas fumava. Era sexy. Só tem treze anos.

A mãe finge que dorme. Dói menos.

A filha vai pro quarto. Larga o tamanco num canto. Fecha a porta. Tira o excesso de maquiagem. Está exausta. Sobe na cama. Pega um ursinho de pelúcia, resquício de sua infância ainda tão próxima. O abraça. Fecha os olhos. O corpo doendo. A noite havia sido longa.

Ela só tem treze anos.


Esse conto está no livro Uma Dose de Café, lançado pela Editora Multifoco em outubro de 2012, escrito por mim. Qualquer cópia sem créditos está amparada pelo direito autoral assinado com a editora. Você acha o livro a venda no site da Editora, por 35 reais (na caixa do lado esquerdo do blog tem um link que o leva até o lugar da compra)

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