Ela que é perdida do mundo e de si mesma. Que anda
desengonçada e aos tropeços. De devaneios e loucuras, de sonhos e pesadelos.
Ela de açúcar que quase se desmancha na chuva. Ela que caiu tantas e tantas
vezes, de cicatrizes e coração esmigalhados. E que já achou que era melhor
desistir se fosse continuar a sentir tanta dor. Ela que insistiu só mais um
pouquinho e quebrou a cara. Que deu as costas e foi embora e acabou se
arrependendo. Ela de erros, defeitos, exageros e silêncios. Que grita calada e
chora sorrindo. Que parece carregar um mundo nas costas e todos os sonhos
naquele imenso coração.
Ela que já se apaixonou pelo sorriso e se desapaixonou pelas
palavras. Logo ela, que ama tanto esses amontoados de letras, vírgulas,
reticências, mas quase nunca usa pontos finais. Ela que tem medo de recomeços e
prolonga história com chances desperdiçadas por cada um de seus velhos
personagens. Que diz muito com seu olhar doce e pouco com sua boca ferina. Ela
que é quente ou fria, doce ou amarga, vivaz ou mordaz, oito ou oitenta e uma infinidade
de números perdidos nela mesma. Ela que um dia, com seus quinze anos, achou que
já sabia mais da vida do que sabe agora, com seus vinte. Ela que te devora e se
deixa ser devorada, que é sedutora e se sente seduzida, que é enigma e te
desvenda a tudo, menos a ela. Que acha que passa despercebida e não percebe o
quanto é notada.
De saias justas e calças largas, de salto alto e tênis no
pé, de maquiagem feita e de cabelo desgrenhado. Modesta e vaidosa, pé no chão e
cabeça nas nuvens, sorriso nos lábios e tristeza no olhar. Ela de oferendas,
ofertas, convites, recusas e perdas. Flor, espinho, sangramentos e
estancamentos. De preces, pressa, olhos no relógio e uma não noção e tempo que
lhe escapa da atenção. Que cava caminhos e se descaminha, que espera e se
desespera, que perdoa sem se perdoar, que guarda mágoa sem se lembrar, que vira
a página, segue em frente sem se esquecer.
Ela de memórias inesquecíveis e lembranças inapagáveis que
daria uma vida e seu próprio coração para apagar. Que caminha sem nome e
perambula procurando sua casa. Ela que pode ser eu, você, sua vizinha e todos
nós, sem deixar de ser ela mesma. Ela que de tanto olhar para o passado, não enxerga
o futuro. E de tanto procurar pelo futuro deixa que seu presente lhe escape de
suas mãos.
Ela. Aquela que não somos nós.
Perfeito *---*
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