sábado, 27 de julho de 2013

Aquela Que Não Somos Nós


Ela que é perdida do mundo e de si mesma. Que anda desengonçada e aos tropeços. De devaneios e loucuras, de sonhos e pesadelos. Ela de açúcar que quase se desmancha na chuva. Ela que caiu tantas e tantas vezes, de cicatrizes e coração esmigalhados. E que já achou que era melhor desistir se fosse continuar a sentir tanta dor. Ela que insistiu só mais um pouquinho e quebrou a cara. Que deu as costas e foi embora e acabou se arrependendo. Ela de erros, defeitos, exageros e silêncios. Que grita calada e chora sorrindo. Que parece carregar um mundo nas costas e todos os sonhos naquele imenso coração.


Ela que já se apaixonou pelo sorriso e se desapaixonou pelas palavras. Logo ela, que ama tanto esses amontoados de letras, vírgulas, reticências, mas quase nunca usa pontos finais. Ela que tem medo de recomeços e prolonga história com chances desperdiçadas por cada um de seus velhos personagens. Que diz muito com seu olhar doce e pouco com sua boca ferina. Ela que é quente ou fria, doce ou amarga, vivaz ou mordaz, oito ou oitenta e uma infinidade de números perdidos nela mesma. Ela que um dia, com seus quinze anos, achou que já sabia mais da vida do que sabe agora, com seus vinte. Ela que te devora e se deixa ser devorada, que é sedutora e se sente seduzida, que é enigma e te desvenda a tudo, menos a ela. Que acha que passa despercebida e não percebe o quanto é notada.

De saias justas e calças largas, de salto alto e tênis no pé, de maquiagem feita e de cabelo desgrenhado. Modesta e vaidosa, pé no chão e cabeça nas nuvens, sorriso nos lábios e tristeza no olhar. Ela de oferendas, ofertas, convites, recusas e perdas. Flor, espinho, sangramentos e estancamentos. De preces, pressa, olhos no relógio e uma não noção e tempo que lhe escapa da atenção. Que cava caminhos e se descaminha, que espera e se desespera, que perdoa sem se perdoar, que guarda mágoa sem se lembrar, que vira a página, segue em frente sem se esquecer.

Ela de memórias inesquecíveis e lembranças inapagáveis que daria uma vida e seu próprio coração para apagar. Que caminha sem nome e perambula procurando sua casa. Ela que pode ser eu, você, sua vizinha e todos nós, sem deixar de ser ela mesma. Ela que de tanto olhar para o passado, não enxerga o futuro. E de tanto procurar pelo futuro deixa que seu presente lhe escape de suas mãos.


Ela. Aquela que não somos nós.

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