segunda-feira, 15 de julho de 2013

O Louco Das Flores Que Não Ganhei


Era sexta-feira, nove e meia da noite e fazia um frio de lascar. Eu havia acabado de sair de uma prova e prevendo que tinha me ferrado lindamente, eu só queria ir para casa, fazer um cappuccino –a cura para todos os meus problemas –e dormir. Então, estava parada no ponto esperando meu ônibus passar. É isso que eu faço todo dia: eu fico ali, na avenida, vendo o movimento esperando para poder ir para casa. Foi aí que eu vi. Na passarela onde as pessoas caminham tinha um cara de roupas velhas e chinelo, e até um pouco sujo, dançando sozinho. Sim, ele estava dan-çan-do. Não dei muita confiança, afinal, de loucos o mundo está cheio. Ele estava pulando para pegar folhas da árvore e algumas pessoas passaram por ele rindo e fazendo piadas. Ele não ligou. Era daquele tipo feliz e leve demais para ligar para os outros. Eu continuei do meu lado da rua, chateada com a prova, encostada na parede e conferindo a hora no celular a cada dois minutos, louca para poder ir para casa. Acho que foi aí que ele me viu.


Eu não percebi de imediato que ele estava vindo até a mim. Era só mais um louco. Ele veio dançando, leve como o vento, e passou na frente do carro. Parou com um floreio e pediu desculpas. Do lado de dentro, o motorista xingou. Seu louco, não olha por onde anda?! O louco nem deu trela, me olhou e veio ate a mim. Foi só então que eu me dei conta de que ele atravessou para chegar até onde estava, tarde demais para que eu pudesse fugir –e, sinceramente, eu fugiria fácil –Julguei, pelas roupas, que iria me pedir alguma coisa –minutos antes havia acontecido algo parecido, coisas que acontecem sempre quando você está parada esperando para ir para casa –Mas não. Ele parou há um metro de mim, jogou a cabeça pro lado, sorriu doce, me deu um olhar tão ingênuo quanto o de uma criança, e estendeu a mão me entregando... Folhas da árvore que ele havia pego pouco antes, enquanto outras pessoas passavam rindo dele.

Sorri.

Eu poderia ter ofendido, o chamado de louco como o cara do carro, ter rido como as pessoas que passaram por ele, ou, o que poderia ser bem pior, ignorado. Mas fui pega totalmente de surpresa num dia não muito bom e que ainda por cima estava frio, e só consegui sorrir pela gentileza inusitada aceitando o que me era oferecido. Ele, sem dizer nada, saiu dançando leve e louco pelo meio da rua, com o mesmo sorriso ingênuo no rosto e um brilho doce demais para se criticar no olhar. Eu fiquei ali, parada, rindo das flores que não ganhei. Até porque, cá entre nós, eu nem gosto de flores. O segui com os olhos até ele sumir da minha vista.

Ele era louco? Não sei. Talvez fosse só alguém feliz querendo fazer outros felizes também. Como eu disse, ele era leve, tinha os olhos doces e sorrisos de criança que eu não via há muito tempo num adulto. Com um gesto, sem palavras, e uns matinhos que, certamente, não tinham beleza alguma, ele conseguiu arrancar a raiva que eu estava pela prova feita. Talvez eu tenha lhe feito bem ao aceitar sem ser mais uma a ofendê-lo. Afinal, distribuir grosserias é o que a gente mais faz sem nem perceber, e, com certeza, ele recebia muitas. Mas ele não sabe o bem que me fez pelas flores que não me deu.


Não foi o mato ganhado, a loucura e muito menos a leveza de um homem que, provavelmente, nunca verei na vida de novo que me arrancou um sorriso e essa crônica. Foi o gesto. Foi a doçura ingênua de querer que outras pessoas dançassem e fossem leves e loucas como ele. Pois já dizia Nietzshe, “aqueles que dançavam foram julgados loucos por aqueles que não eram capazes de ouvir a música”. Aquele cara ouvia a música. Mais do que isso, queria contagiar os que não ouviam. Quis dançar com ele. Mas não era louca o bastante. Louco ou não, nunca saberemos. Mas a beleza estava justamente no gesto inocente e nas flores que, daquele louco, eu não ganhei.  Sabe como é, de loucos o mundo está cheio. Ainda bem.



Venha ser colaborador oficial do UDC

5 comentários:

  1. Arrasou no texto, adorei!
    São gestos e atitudes simples, mas que nos fazem rir e ser feliz mesmo que por alguns instantes.

    miragem-real.blogspot.com.br

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  2. Às vezes aparecem pessoas no nosso dia pra fazer a gente perceber que nem tudo é tão errado.
    Lindo texto, beijos!

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    1. Own, obrigada :DDD
      a gente geralmente se cega para essas ações

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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Comentários

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