terça-feira, 22 de outubro de 2013

Era Um Casal Normal



Se conheceram numa dessas festas open-bar da faculdade, onde tem sempre muita bebida, música alta e pouca conversa. Foi sexo à primeira vista e amor ao primeiro toque. Abandonaram os copos para segurar as mãos. E, sem palavras, só olhares, decidiram sair juntos da festa para a casa dele. Se amaram lentamente, vagarosamente, necessitadamente. Guiados por uma paixão que nunca haviam sentido. Só depois, exaustos e tranquilos, satisfeitos e felizes, esquecendo-se de fingir um sono pós-sexo, foram feitas apresentações.


Um cursava letras, era amante das palavras, das estrelas, da lua, de um toque de mau também, da vida, do sexo sem compromisso. Gostava de café, pôr-do-sol e sentimento. Ouvia rock quando ficava estressado, sumia do mundo quando estava infeliz. O mundo é bonito demais para que pinte com a minha escuridão, disse e tragou um cigarro, ali mesmo, com uma paz que qualquer um invejaria. O outro cursava engenharia, achava que lidar com números era mais fácil que lidar com as pessoas. Não gostava de ler, mas devorava séries como quase não se deixava ser devorado pela vida. Gostava de vodca, conversas jogadas fora e amor sem compromisso. Você sabe, o amor descompromissado é o mais sincero amor, sem cobranças, sem ciúme, eu vou quando quiser ir e, se voltar e você ainda estiver aqui, a gente tenta uma outra vez. E soltou um suspiro desses que fazia eco em qualquer alma tranquila. Só estudava ouvindo rock e mergulhava em festas quando estava infeliz. Tenho medo de solidão, admitiu. Tudo bem, aquele um respondeu, tenho medo de barulho, tenho medo de tantas coisas, inclusive de você. Não se preocupe, o outro segurou sua mão, vou embora antes de amanhecer.

Dormiram.

Pela manhã, o outro acordou mais cedo, fez um café forte e amargo para a ressaca daquele um. Sem notar, já se cuidavam. Deixou um bilhete debaixo da garrafa, juntou suas coisas e saiu. A cidade já estava infernal. Pela primeira vez, teve medo do barulho, teve medo de muitas coisas. O um levantou pouco depois, zonzo e querendo vomitar. Havia bebido além da conta no dia anterior. Achou o café e o bilhete. Não necessariamente nessa ordem. Quase sorriu (não se sabe se pelo café, não se sabe pelo bilhete). “A gente se encontra por aí, porque a arte do amor é ser descompromissado”. Pela primeira vez, teve medo da solidão.

Levou um tempo para se verem de novo. Não andavam na mesma turma, não frequentavam os mesmos lugares, quase não gostavam das mesmas coisas. Mas aconteceu. Como se o destino insistisse em fazer aqueles dois se pertencerem. Sabiam que estavam no mesmo lugar –uma outra festa open bar – antes mesmo de se verem. Como um prelúdio do que estava para acontecer, arrepiaram. Um estava procurando a saída em busca de um café enquanto o outro já estava em sua terceira dose de vodca. Fugiram juntos –longe do barulho, longe da solidão –Um queria sexo, o outro se distraía nas drogas, viveram um amor só deles, meio rock ‘n’roll.

Se amaram como poucos chegaram a se amar na vida. Eram cúmplices e completos. Não havia mais medo de solidão, não havia mais medo daquele outro que causava tanta coisa (principalmente, barulho em uma alma quieta). O outro até aprendeu a ler livros, o um também se viciou em acompanhar séries. Um casal normal, que não dispensava as mãos dadas em público como qualquer outro casal. Que gostam de carinhos a sós, como qualquer amante. Que pintaram a vida com seu amor e estamparam um quadro lindo numa tarde de domingo, vestidos de noivos, brindando o champanhe, bebendo a vida. Viveram se amando –nunca precisaram morrer por amor.


Era um casal normal. Como qualquer outro. E se amaram, como você deseja amar e ser amado todos os dias antes de dormir. E se eu disser que era um casal “diferente”, que o um e o outro tinham o mesmo sexo, que era um casal homossexual? Vai achar motivos para criticar esse amor agora, no final, ou entende que a base pra um amor verdadeiro é justamente ele ser incondicional?

4 comentários:

  1. Poxa vida, seus textos são unicamente demais!

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  2. Leio seus textos diariamente, tenho meus favoritos, e posso dizer que esse entrou pra minha lista dos mais vistos. Você tem um talento incrível, escreve perfeitamente bem. Você merece tudo de bom, muito sucesso, e que seu blog seja reconhecido por mais pessoas .
    Ah, índico para os amigos sempre que posso,

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    Respostas
    1. AI MEU DEUS
      que lindeza <3333 obrigada demais pelas palavras, de verdade
      elas são muito importante
      <3333333333

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Comentários

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