Às vezes eu queria que a vida fosse mais fácil. Aqueles
momentos diários em que você está cansado de lutar e resolve que já tá na hora
de entregar os pontos. Quem nunca passou por isso? Eu confesso: passo sempre. É
que às vezes a ferida dói além da conta –ainda que eu disfarça com meus
sorrisos escancarados e felizes –A verdade é que dói. Dói e a maioria das
pessoas nem faz ideia porque nunca fui mesmo de dizer por aí o que se passa
aqui. Dentro de mim, sou uma bagunça quase sempre boa, mas também sei ser um
caos de desespero e agonia. Luto contra mim todos os dias, mais do que luto
contra as pessoas que não gostam de mim ou contra o mundo. Aprendi desde cedo
que nosso maior inimigo não é a garota que perdeu a paixão pra você, a amiga
que te traiu ou aquele cara por quem você se apaixonou e saiu por aí dizendo
tudo o que tinha –e não tinha –direitos de dizer sobre você. Nosso maior
inimigo é a gente mesmo. E nossas limitações.
E eu tenho muitas, viu? Apesar da maior parte das pessoas me
acharem forte, corajosa, sincera e destemida. Dou risada disso, na minha cama quando o
frio me assola e eu tenho que me encolher na posição fetal pra me proteger das
fincadas de uma dor que não tem nome, remédio, cura ou salvação. Tem coisa que
a gente carrega dentro da gente desde sempre. Tem coisa que dói e você nem faz
ideia do por quê. Uma vez eu li que o momento que a dor é mais forte é aquele
que a gente se embola como um feto e deseja arduamente voltar ao útero da nossa
mãe –lá o mundo parecia quente, acolhedor e protegido de todos os bichos papões
que a vida nos trouxe, não é? Dá vontade de esconder do mundo e da gente mesmo,
gritar para excomungar nossos medos que nem fazíamos quando éramos crianças e não
tínhamos vergonha de nos mostrar fracos e medrosos. Mas a gente aprende a calar
com o passar do tempo. A vida é dura. A vida ensina mais pela dor do que pelo
amor. Eu, pelo menos, teimosa que sou, sempre preferi aprender quebrando a cara
–literalmente ou não –Por tudo isso, me jogo em relacionamentos fracassados,
amores de verão, e ignoro a minha tão famosa intuição (aquela mesmo, que
qualquer amigo sempre acusa como “infalível”). Descarto. Gosto de sentir o cheiro
de sangue nas minhas feridas, porque aí eu tenho o que contar num futuro que,
de cá, parece tão distante. Nem que eu me quebre toda, você me entende? Nem que
eu me rasgue inteira e leve uma vida pra me juntar outra vez. Sem sangue, sem
crime –e sem vida também –Tudo o que tem vida, aprendi, sangra, não é?
Eu sangro muito. Mas quase não deixo as pessoas verem.
Sempre que me machuco acho que vou sofrer uma hemorragia. E nem peço desculpas
pelo exagero ou pelo drama. Sou exagerada até nas vírgulas e você do seu lado
da tela já deve ter notado. Sou dramática até nas minhas pausas e sorrisos que,
disseram por aí, parece de criança. De criança não conservei quase nada. E me
culpo por isso porque prometi àquela menininha de cabelos lisos e olhos
brilhantes que não a deixaria morrer quando entrasse nesse mundo escuro e
assustador que é ser adulto. Mas você tem que concordar, os anos passam e as
dores pesam. Pesam no ombro, no sorriso, no olhar e, no pior lugar de todos, no
coração. A menininha já tá com um pé nos vinte e dois –dois patinhos da lagoa,
escuto o eco dela perdido por aqui –e já deixou muita coisa pra trás. Os
cabelos, por exemplo, ganharam ondas e muitos centímetros. Os olhos, por outro
lado, perderam: perderam a inocência e esperança que qualquer um pode enxergar
nas fotos antigas. A inocência e esperança que eu procuro em olhares que
encontro por aí.
A vida dói. A responsabilidade pesa. Ser alguém está muito
além de ter um diploma depois de anos de faculdade, um amor pra chamar de seu,
e um trabalho pra pagar as contas em dia. Ser alguém não é chegar lá. Eu,
particularmente, odeio essa história de lá. Sou intempestiva e vivo o hoje. O
lá não é mais nada do que onde eu estou: agora. Aqui. E nessa pressa toda de
trazê-lo pra mais perto eu acho que perco algumas coisas boas em sonhar que, um
dia, como naquele conto de fadas que a menininha de cabelos lisos adorava ler
no canto da sala antes mesmo de aprender juntar as letras e descobrir seus
significados, eu serei feliz pra sempre. Para sempre que nada. Eternidades me
cansam. Gosto da intensidade. E sou intensa, desculpa por isso, até na dor.
Por falar nela –o motivo desse texto e essas verdades
cuspidas doa a quem doer –as vezes ela dói além da conta. Às vezes eu a
encaro, cerro os olhos e digo: e aí, você não vai embora nunca? Às vezes eu acredito
que um dia ela irá me abandonar. Pessoas abandonam a gente o tempo todo, não é?
Pena que a dor não. A dor é eterna –e, bem, eu já disse milhões de vezes que eu
odeio a eternidade? –Às vezes eu só sento, tomo um café e deixo que ela passe.
Porque tudo passa, foi isso que ensinaram a menininha de cabelos lisos que
perdi ao tentar guardar em meu bolso. E eu queria voltar no tempo e dizer a ela
que essa foi a maior mentira que ela já ouviu na vida. Porque não passa. E é
uma pena crescer e ter que lidar com isso. Crescer, praquela menina, parecia
algo tão legal. Talvez não seja o fim do mundo ter mais de dezoito e não quero
ser derrotista, mas, sem dúvida alguma, parece ser melhor quando a gente é uma
criança inocente de olhar esperançoso. E às vezes, como hoje, eu deixo que a
dor doa –bem assim, redundantemente –em cada célula do meu corpo até que ela se
canse e me deixe em paz por um tempo. Depois eu arrumo as ideias e cuspo no
papel –às vezes em metáforas perdidas, em personagens sinceros e, raras, em mim mesma
–Quando eu falo de mim, te deixo uma dica, em primeira pessoa, sem máscaras e
mentiras, é quando a dor dói mais forte. É quando analgésico, viagens mentais e
café algum pode curar. E veja só: eu acredito que quase tudo pode ser curado
com um café. Ou com um abraço forte, desses que te reconstrói em minutos o que
levou milésimos de segundos pra desmoronar.
Falta menos de um mês pro meu aniversário. Além disso, é fim
de ano, acho que a gente fica mais melancólica nesse momento. Então não leve
tanto a sério esse desabafo sincero. Já me olhei no espelho e disse a menininha
perdida aqui dentro que vai passar. Se não passar, a gente empurra pro fundo da
alma e tranca a sete chaves. Até que a dor volte forte o suficiente pra
ultrapassar toda a segurança que criamos pra nos proteger. Só queria dizer que
às vezes olho pela janela da minha casa e penso que queria ter uma vida mais
fácil –como daquela pessoa desconhecida que cruza minha rua sem nem me ver, que
parece leve e feliz em seu silêncio ou em sua cantoria baixa –Mas aí eu olho um
pouco mais de perto e com meu olhar de observadora sempre buscando algo além do
que as palavras podem me dizer eu penso que talvez aquela pessoa seja como eu.
E, como eu, esconde a dor dela pro mundo não ver. Bem, será que tem vida fácil
nesse mundo? A sua é? Alguém nunca pensou em desistir, jogar tudo pro alto e
resolver todas as dores com uma desistência covarde, porém sincera? Sei não. Eu
penso sempre em jogar pro alto e pela primeira vez em anos deixar que outras
pessoas limpem a minha sujeira –a sujeira que eu sempre limpo quando alguém vai
embora de dentro de mim –Mas aí eu lembro que uma pessoa que eu gosto muito e
que entrou na minha vida pra me mudar (e melhorar tudo o que sou hoje) disse
num dia qualquer enquanto falávamos de coisas quaisquer que se fosse fácil eu
nunca saberia que estava no caminho certo. Se fosse fácil, eu acho, eu também
desistiria.
Afinal, sabe como é, eu sou aquela menina teimosa que adora
errar com seus erros e quebrar a cara na parede com suas decepções. E isso
aquela menininha de cabelos lisos pode se orgulhar: permaneceu, apesar dos anos
e das dores. Vai permanecer pra sempre. Ser teimosa está na genética e no
sobrenome. Pode doer à vontade dor. Eu não vou desistir de ser feliz. Aqui ou
lá. Hoje ou algum dia desses. Doer mostra que eu ainda estou viva e lutando. E
enquanto há vida, você sabe, aquela menininha perdida também, há esperanças no
meu olhar de criança que, graças a Deus, eu não perdi ao ter que crescer. Nem
que para isso eu precise sangrar só pra lembrar que, apesar de toda a dor,
ainda há chances de sobreviver. E viver. Por mais que a dor, às vezes, pareça forte demais para suportar e eu precise fazer que nem fiz agora: gritar. Que não tenha te deixado surdo aí do outro lado da tela. Do lado de cá, garanto, já tá tudo arrumado outra vez. Amanhã é outro dia, já dizia Caio, eu aprendi isso hoje. E, Caio, vocês sabem, Caio não mente.
Tá sensacional esse texto.
ResponderExcluirSerá que dá pra colocar mais um como favorito? hahahahaha <3
Parabéns.
Cê já tem umas duas folhas de favoritos ne Kah?
Excluirhahahahahaa <3
Que incrível, parabéns!
ResponderExcluirImpossível não se identificar. Crescer dói e tenho certeza de que não existe vida fácil. Sentir essa dor é a peça fundamental do nosso amadurecimento.
Amo os seus textos.
Beijos <3
Crescer é saber lidar com a dor "nas pernas" pelo crescimento
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