Eu tinha 15 anos.
Quando você mora no interior, uma das principais maneiras de
sair, se divertir, conhecer gente nova (e beijar na boca também) é ir aos shows
que sua cidade proporciona. Aos quinze, eu não perdia nenhum, é claro. Só
porque dava um trabalhão arrumar vários documento e um adulto para poder entrar
nas festas. Era um show de uma banda que eu não gostava, mas resolvi ir com
minha prima porque, como dito, é isso que a gente faz no interior, em maioria.
Não consigo me lembrar como nem em que determinado momento aconteceu, mas me
lembro que acabei sendo agarrada por um rapaz ~que não devia ter muito além da
minha idade~ porque ele queria a qualquer custo um beijo. Na época eu ficava
mais ou menos sério com um garoto ~lê-se, era um bom potencial de futuro
namorado (que não aconteceu, mas ok)~ e, apesar de não estar com ele ali,
sempre fui muito leal aos meus sentimentos. Ainda que eu não tivesse alguém, eu
não queria ficar com aquele rapaz. Ele
me agarrou. Eu me soltei. Ele me agarrou de novo. Havia um policial há poucos
metros da gente ~dois metros, no máximo ~ que olhava, mas não fazia nada. Eu o
empurrei e tentei me desviar. Ele puxou meu cabelo. Eu bradei e falei mais
alto, então, magrinha como sou, consegui me esquivar da mão dele e sumi pela
multidão; pasma porque o policial, ali, ao meu lado, não se manifestou hora
alguma mesmo eu tendo deixado claro que não queria aquele beijo.
Eu tinha 16 anos.
Carnaval. Eu odeio carnaval, mas nunca me privei de sair.
Outra vez: no interior, não há muitas formas de se divertir, especialmente
quando se é menor de idade, e o carnaval era um bom momento para conhecer novas
pessoas ~e beijar também, é claro ~. Nesse ano em especial, eu resolvi que
sairia o máximo de dias possível, pela primeira vez, para poder dizer depois
com propriedade porque não gosto dessa época que, dizem, todos os brasileiros
amam. Minha turma de amigas foi rodeada por vários moleques ~digo moleques
porque eles não passavam mesmo disso ~que nos rodearam e tentaram nos intimidar
de algum jeito, ali, no meio da rua. Baixinha e magrinha como sempre fui,
escapei por pouco porque qualquer espaço de 30 cm é o bastante pra que eu me
esgueire, ilesa. As minhas amigas também escaparam. O outro grupo de meninas cercado
por eles, logo depois, não teve tanta sorte assim.
17 anos.
Ficava com um garoto durante o carnaval daquele ano; uma
dessas paixõezinhas que a gente sabe que não vai levar a nada e mesmo assim se
deixa levar. Acabei saindo alguns dias do carnaval só pra poder ficar com ele.
Num desses, ele acabou preferindo ir pra sua turma de amigos e eu fiquei com a
minha turma de amigas. Na volta, precisava descer o morro onde o bloco ficava
pra poder encontrar minha mãe que estava lá em baixo, me esperando. Optei por
ir pelo meio do bloco, já que a outra rua estava deserta e eu não era ~tão~
idiota assim. No meio da confusão de muita gente ocupando um pouco espaço de
ruas históricas, acabei sendo pressionada por dois homens bem mais velhos que
eu. Escapei, outra vez, porque continuava ~e ainda continuo, na verdade ~
magrinha e baixinha (uma benção para se escapar de situações assim).
19 anos.
Era uma mini-micareta que acontecia na cidade e eu fui com
alguns amigos ver qual é que era dessa festa. Lá, acabei ficando com um cara
que ~de verdade~ nem lembro o nome, como quase sempre acontece nesses lugares.
No meio do beijo, ele perguntou se eu não queria ir pra república onde ele
morava depois dos shows, já que haveria uma festa lá. Disse que não, obrigada,
prefiro ir pra casa dormir. Ele insistiu. Repeti que não. Ele deu de ombros e
as costas pra mim e, como se fosse a coisa mais normal do mundo, me chamou de
vadia e foi embora.
Eu poderia contar mais uma lista de experiências ruins que
tive na vida e você, mulher, aí, do outro lado da tela, também. Citar cada
cantada ridícula que somos obrigadas a ouvir, mesmo quando deixamos claro que não
estamos afim. Cada “gostosa”, “imagina você na minha cama”, “eu te faria
estrago” e daí pra baixo que ouvimos só porque está calor e colocamos um short
mais curto. Cada olhada inconveniente de um cara no meio da rua que faz a gente
se sentir nua e imunda. Cada linha de desrespeito que somos obrigadas a ouvir
toda vez que estamos numa festa, show, boate e resolvemos dançar. Cada vez que
algum imbecil nos tira pra dançar como se, para conseguir acompanhar o ritmo de
uma batida ~seja o funk ou não ~precisamos de um par, de uma mão com vida e de
um imbecil nos acompanhando. Cá entre nós: sempre odiei dançar com alguém,
prefiro me entregar sozinha ao som da música. Você, do outro lado,
possivelmente passou por situações como essa. Situação em que o homem, mais
forte, mais alto, mais imbecil, acha que pode te forçar a alguma coisa que você
não quer porque, um dia, em algum canto do mundo, passado de geração por
geração, ensinaram a ele que mulher que se dá ao respeito não anda por aí com
roupa curta, não beija mais de um no meio da noite e não resiste a uma cantada
de pedreiro idiota.
Nesses momentos eu quase penso que não sou mulher.
Nunca precisei que um pedreiro ~seja ele real ou um cara idiota
no meio da rua ~me cantasse para me sentir bonita. Me sinto constrangida toda
vez que tenho que passar no meio de muitos homens porque simplesmente sei que
serei analisada por cada canto do meu corpo pelos olhos sem limites de homens
sem educação e ainda ouvirei alguma cantada ridícula ~na maioria das vezes,
sou obrigada a mudar de calçada só pra não ter que lidar com isso, coisas que
realmente me tiram do sério e tem o poder de acabar com meu dia ~ Só porque
estou numa festa, num show, no carnaval, não quer dizer que estou ali pra
beijar qualquer boca (muito menos a sua, que já chega puxando pelo cabelo ou
pelo braço como se fosse meu dono ou minha mãe). Só porque estou dançando no meio da pista, não
quer dizer que eu quero companhia (nem mesmo a sua, oh, tão pegador e bonito
que você seja). Só porque estou de short curto, não quer dizer que eu não esteja
me dando ao valor (alô, o calor é algo que todos tem que lidar, sabem?).
Não sei onde vocês, homens do século 21, aprenderam que
mulher quando diz não quer dizer sim. Não, a gente não quer dizer sim.
Acredite: se a gente quisesse, vocês saberiam. Não tente adivinhar o que nós
queremos: deixa que a gente chegue e fale, que tal? E, a não ser que vocês vivam
num pornô 24 horas por dias, suas cantadas imbecis não funcionam. Parem de agir
como se estivessem no século 19, os tempos mudaram, as mulheres saíram de casa,
conquistaram liberdade, queimaram sutien, mas ainda precisam ouvir que o
machismo acabou, mesmo que lidando com ele todos os dias, velado ou não, e lutar por direitos que já deveriam ser nosso sem precisar de
gritos, protestos ou o que for. Somos tão humanos quanto vocês, homens. Somos
frágeis sim, mas isso não quer dizer que vocês podem abusar da gente (seja com
gestos, palavras, toques, força que tem maior ou com um xingamento porque não aceitamos
ir pro seu apartamento depois de uma festa).
Respeito é bom e não dói.
E o feminismo é apenas uma arma para que se não nós, nossas
filhas ~e possivelmente as de vocês, também, homens ~sejam respeitadas e não
precisem passar por cada situação dessas que parece nos deixar ainda mais
frágeis do que, vocês, acham que somos.
No fundo, eu quero terminar esse texto com uma pergunta pra
cada homem que faz isso, ou que por um acaso está do outro lado lendo esse
desabafo de quem já está cansada de ter os limites ultrapassados seja por qual for
o motivo: se fosse sua mãe, sua irmã, sua mulher ou sua filha, você agiria
assim? Não. Eu aposto. Pois pare para pensar que uma dessas mulheres
desrespeitadas, poderá ser a mãe de seus filhos algum dia. E só porque vocês
são mais fortes e mais amedrontadores, não lhes dá ao direito de ultrapassar os
limites e nos segurar pelo braço para nos forçar a fazer o que vocês querem (e na cabecinha de vocês, acham que a gente quer também).
Se vocês valessem a pena, caras, encarem isso, não precisaria
de força para nos convencer a ir a lugar algum com vocês. Nós iríamos sem fazer
charme e sem que vocês precisassem ~adivinhar~o que queremos dizer quando estamos
de roupa curta, decote, ou dizendo não claro em alto bom som pra vocês nos
deixarem em paz.
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