segunda-feira, 21 de abril de 2014

A Matemática De Nossos Fantasmas


Ela estava sofrendo muito. Já não conseguia sair da cama e não queria ver ninguém. Era como se seus ossos estivessem tão pesados agora, que ela não conseguia sustentá-los e dar um passo sequer. Ele tinha sido tão covarde com ela. Traí-la há tantos meses e ser flagrado no dia do aniversário de namoro. Ela esperava um pouco mais de respeito. Se fosse dar uma nota para esse momento, ele com certeza seria um dez em desastre, afinal de contas, era como se toda a vida estivesse sendo sugada só naquele ponto de dor. Enquanto ela estava sofrendo, recebeu visitas de alguns de seus amigos mais antigos. Ela não era daquelas que esquece os amigos por causa de um relacionamento, sabe? Merecia uma nota seis por isso, o que já tornava aquele dez apenas um quatro. Tampouco podia reclamar de sua família. Até seu irmão, que era sistemático e pouco se comunicava com ela havia dito "quem esse cara pensa que é pra tratar minha irmãzinha assim". Só o sorriso que ele arrancou com essa frase, já valia um dois. E o pote de sorvete que seu pai havia comprado só pra ela ter algo com o qual chorar, valia os dois restantes. 

No entanto, o cara da rua de cima ficava indignado sempre que alguém aparecia sofrendo por um relacionamento. Quem eles pensavam que eram para deixar alguém parar suas vidas assim? Ele sim sabia o que era sofrer. E nada poderia valer mais um dez do que ter sua mãe doente, presa a uma cama e vê-la sofrer dia após dia. Era um dez todo preenchido pela sensação de não poder fazer nada para reverter aquilo. Ele chorava, e odiava admitir que chorava, todos os dias. Não era capaz sequer de perceber que sua mãe se dedicava totalmente à leitura enquanto não podia se levantar e que isso a fazia bem. Não era capaz de perceber que, por trás de cada história de livro diferente que ela lhe contava, estava uma nota cinco de felicidade. Ou que, cada vez que seus primos vinham trazer-lhe um presente, estava um três. Não via até mesmo que todos os seus esforços para mantê-la confortável já eram o máximo que ele poderia fazer e que isso estava longe de ser um caso em que não se podia fazer nada. Ali estava o dois por esses esforços tão válidos e significativos em sua dor. 

A garota loira que morava no prédio do outro lado da cidade, por si só, não sofria pelos outros. Tinha se tornado uma pessoa fria, no que envolvia qualquer tipo de contato. Sequer gostava de ter um animal de estimação e correr o risco de amá-lo. O que importava, verdadeiramente, era seu trabalho e progresso. E, exatamente por ter acabado de ser demitida, seu sofrimento poderia ser um dez completo em seu contexto de vida. Ela havia se dedicado tanto, trabalhado com tanto empenho. E seus chefes alegaram que lhe faltava humanidade para aquele cargo. Não era só ser como um robô, faltava-lhe sensibilidade. Ela demorou a aceitar que havia mesmo se dedicado tanto em vão. Exceto que não havia sido tão em vão assim. Todos os momentos que dedicou a repensar sua sensibilidade depois da demissão, lhe valiam um quatro. Engolir seu orgulho e ligar para uma colega e desabafar, lhe valiam outro quatro. Pensar em dedicar um pouco de atenção a seus sentimentos e se esforçar para não ridicularizar o sentimento dos outros já lhe era um dois: um novo esforço e uma nova perspectiva que pode mudar muito a seu respeito. 

Nesse mundo onde tantas vidas são levadas de maneiras tão diferentes, chega a ser injusto fazer uma comparação de quem sofre mais, ou sobre quem não está enxergando tudo ao seu redor. Todos nós, mergulhados nas nossas histórias, enxergamos menos sobre ela do que um observador de fora. Em grande parte demoramos tanto a superar uma decepção porque só contabilizamos os dez pontos negativos. E repetimos o que eles representam dia após dia. Lágrima após lágrima. O desafio, em todo caso, não é não contabilizá-los. É contabilizar também os pontos positivos que ficam escondidos através da névoa que não nos permite ver ao nosso redor. Um sofrimento nota dez vem acompanhando da soma de tantas pequenas coisas positivas que só abrir o nosso olhar para elas já poderia mudar totalmente a nossa maneira de encarar e superar cada obstáculo.



Quem escreveu esse texto foi a leitora Karla Cunha que é psicóloga de amigas bêbadas e acredita que internet é mais barato que terapia. Ela é dona do blog lindo Não Tenho Pressa que vocês deveriam correr para conhecer e ler outros texto ainda mais lindos que esse que ela mandou pro UDC!


E você? Tem um blog ou escreve textos e quer um espacinho a mais? Manda seu texto pro meu e-mail (nanzcampos@gmail,com) com o título de Colaboração Eventual, se eu gostar ele será publicado aqui! Tá esperando o que? Eu adoro ler vocês!

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