quarta-feira, 4 de junho de 2014

Sobre Nossas Dores e Nossos Desamores

Quando eu tinha onze meus pais me chamaram para uma conversa séria. Nada muito trágico: só uma separação. Pode parecer irônico e você pode estar aí do outro lado pensando em: como assim não foi trágico? Não foi. Eu sempre fui muito intuitiva para algumas coisas, sempre sabendo quando ia dar merda e quando ia dar certo, então, quando ambos me chamaram para conversar, eu já sabia. Acho eu que sempre soube. Parecia muito claro no alto dos meus onze anos. Eu ainda tinha cabelo liso e uns dentes de leite naquela época, mas nem tudo mudou radicalmente assim na minha vida.

Foi assim com minha primeira grande desilusão. Nada muito trágico quando o alvo de todo meu amor juvenil disse que não estava interessado em mim, que eu era muito criança e que ele já tinha alguém. Dava para superar, entendem? Assim como a minha primeira derrota, o primeiro grande não, a primeira nota perdida que manchou meu histórico escolar, o primeiro quase namoro abandonado por falta de compromisso, o primeiro grande amor (ou o que eu tinha achado que era, tanto faz). Era sempre assim: nada muito trágico além de um fim. De algo que só tinha acontecido na minha cabeça muitas vezes, mas que já tinha raízes enormes no meu coração.

As pessoas que me conhecem dizem que eu nasci com trinta anos porque desde muito nova aprendi a catalisar minha dor. Não tinha medo de cair e isso, claro, me fez ficar com umas cicatrizes meio feias no joelho. Mas nada que o tempo não tenha melhorado. Causou também um pulso que estrala sempre de tanto ter me apoiado quando me jogava ao chão. Eu não tô dizendo que não chorava: sempre chorei muito. Mas catalisava a dor muito rápido, não deixava doer mais do que eu achava que me era saudável, não ficava refém de uma história que não deu certo. Acabou? Acabou. Pronto. E agora? O que é que a gente faz?

Em caso de separações assim, como as dos meus pais, primeira coisa era mudar. Um vai pra um lado, o outro pra outro lado, e a criança fica ali no meio. Se essa separação não acontecer de uma forma tranquila, é muito certo de que o trauma será maior. Não existe rupturas fáceis, seja elas com nossos relacionamentos, nossos sonhos, nossas vidas ou nosso antigo eu. Alguma coisa sempre perde quando a gente deixa alguém ou algo para trás. Com meu primeiro amor que não deu certo, eu simplesmente sorri e parti para outra. Melhor do que partir minha cara insistindo num cara que não estava afim de mim. O sonho que acabou antes de começar? Pega a listinha que tem outros sonhos ali para se seguir. Sem dramas desnecessários. Eu era uma adolescente madura, uma criança grande, uma metida a sabe tudo que jurava que sabia lidar com suas próprias dores sem precisar dizer ao mundo o que é que tanto doía. Mudar requer coragem. E um pouco de covardia também. Era inevitável que eu deixasse algumas coisas para trás: os dentes de leites e o cabelo liso estão aí para mostrar fisicamente isso. Eu cresci um pouco também. Mas não foi só isso. A gente endurece.

Quando nos quebramos e perdemos pedaços, a gente acaba se endurecendo, congelando um sorriso na cara para espantar as lágrimas, fingindo que está tudo bem porque sabe que o resto do mundo não tem nada com sua dor –e não para para que você deixe doer –Eu não perdi média, não virei rebelde, não me droguei nem fiz muita merda porque meus pais se separaram. Pelo contrário, minhas notas no ano seguinte até que aumentaram. Assim como não desisti do amor só porque não vi final feliz na minha casa. Ou porque minha primeira paixão era um babaca. Nem desisti de chegar onde quero só porque metade dos meus sonhos não se realizaram no tempo que eu achei que realizaria. 

Ao ir para aula no dia seguinte, me encheram de perguntas sobre como eu estava lidando com a separação. Perguntas que para mim não tinham sentido algum. Eu era uma criança de onze anos metida a aguento-qualquer-dor-suporto-qualquer-adeus-nasci-com-trinta-anos. Entendem? Aí me perguntaram como é que ia ficar agora, com meus pais morando em casa separadas. Agora, disse eu, no alto da minha sabedoria, eu tenho duas casas. Estava tudo muito claro para mim, apesar dos olhares assustados das minhas amigas. O amor dos meus pais acabaram. O amor deles por mim, não. 

Foi assim com quase todas as outras rupturas que enfrentei na vida. Bancando a metida sabe tudo que jurava que sabia lidar com suas próprias dores. Mas só sufocava para seguir em frente sem dar grandes explicações. Nunca gostei de grandes explicações, sabem? Gosto de resumir tudo com: penso assim e ponto. Sou assim e ponto. Gosto disso e ponto. Sem precisar a recorrer a grandes teorias ou a grandes lembranças. É assim e ponto. A gente aprende a lidar sozinha com a dor porque ensinam pra gente que viemos ao mundo sozinhos, e, portanto, devemos nos virar sem ajuda.

Pura balela. 

Sábio mesmo é a pessoa que entende que estender a mão e pedir socorro não te faz menos forte do que quem estende a mão e te socorre. Dizer  que está doendo e compartilhar com alguém que a gente gosta uma dor que ela não sente, não te faz covarde. Gritar, chorar, deixar doer é mais importante que deixar inflamar. As cicatrizes acontecem, mas quem não tem medo de se machucar com certeza sofre bem  menos traumas do que aqueles que, como eu, tentam acelerar um processo irreversível que segue uma linha temporal própria e incompreendida.

Sábio é quem não catalisa a dor pra parecer forte porque sabe que ela segue uma própria linha e passa quando tem que passar. Quem entende e aprende a lidar com sua dor no ponto alto e agudo que ela aparece sem precisar mina-la para só então seguir em frente. 

Não sou sábia. Mas, dizem, madura demais para ter vinte e poucos anos...

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