sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Uma Dose de Amor; Duas de Desalinho, Por Favor

Dia desses, enquanto tomava sorvete e observava as pessoas indo e vindo a procura de histórias que valessem a pena serem contadas, observei um casal completamente apaixonado passar do outro lado da rua. Não é nenhuma hipérbole de uma romântica de plantão. O cara rodava a menina no ar, segurando de um jeito possessivo sua cintura, enquanto ela ria e se deixava descabelar sem se importar com os olhares tortos que recebiam ao atrapalhar a passagem de umas três pessoas.  Era como se eles estivessem em outra frequência, num universo paralelo só dos dois, onde não se tem pressa de chegar porque o importante é se divertir; onde a menina não está dando a mínima pro cabelo fora do lugar porque está muito ocupada se divertindo nos braços de quem ela ama.

Eu tenho uma teoria: você sabe que a mulher está realmente se divertindo quando ela deixa de se preocupar em como seu cabelo está. Falo isso como uma mulher típica que tenta arrumar o cabelo exatamente do jeito que quer toda vez que sai de casa, fio por fio, nos devidos lugares, do devido jeito. As melhores coisas da vida nos deixam descabeladas, caras colegas. Beijo bom é beijo que despenteia; passeio bom é passeio que despenteia; amor bom é amor que despenteia. É quando a gente volta a ser a criança que brinca sem se importar com o que as pessoas estão dizendo por vê-la tão desalinhada e desarrumada pela rua. É quando a gente se descompõe inteira pra compor umas notas sem sentido de pura arte pelo caminho.

Estou falando de poesia mesmo. Porque poesia e felicidade, pra mim, estão sempre juntas.

Acontece que a gente foi engolida pela indústria de perfeição e paramos de achar graça no desalinho que nossa vida naturalmente é. Vem cá, deixa eu te perguntar, tudo na sua vida acontece conforme você quer? É tudo retinho, no lugar, milimetricamente encaixado no timing perfeito que você sempre sonhou? Quem garante que fazendo as coisas do jeitinho certo você vai chegar aonde quer chegar? Se você entrar na rua e seguir reto, sempre reto, sem emoção, sem vida, sem diversão, é muito possível sim que você chegue mais cedo onde sempre sonhou – seja lá onde seja, do outro lado do mundo, atrás de uma mesa, ganhando milhões, morando de frente pro Central Park em Nova York. – Não é isso que importa. Sem descabelar, sem se desarrumar, sem se divertir debaixo da chuva, sujando o pé com um pouco de barro, você vai chegar mais limpo sim, sem umas cicatrizes e, principalmente, sem histórias para contar.

A verdade é que não importa o ponto de chegada, é o que você faz no seu caminho que vale a pena. É o que você leva dentro de você e não o carro, a casa, o cargo importante que você conquistou. É claro que tudo isso é importante, não estou dizendo que não. Sonhos são importantes porque mostram que a gente ainda está vivo. Mas o que vai dizer se a gente viveu, no fim das contas, é o quanto a gente se perdeu pelos caminhos retos e entrou numas curvas meio estranhas sem se importar com o que acharia no final da rua.

A menina, que se deixava rodar feito uma bailarina no meio do centro da cidade, não estava nem aí pelo que falavam dela, pelo espanto que isso causou na hora mais movimentada, pelo cabelo fora do lugar, se isso ia atrasar ou não a chegada dela no próximo compromisso. Naquele momento, o compromisso dela era se divertir. E ela estava fazendo isso nos braços de alguém que ela com toda certeza era apaixonada – porque tem que se ter uma dose de coragem, loucura e duas de amor para se deixar ser rodada tão alto como ela estava sendo, sem segurança, no meio da rua. Tem que se confiar muito bem nos braços que te seguram para não olhar pra baixo e ficar preocupada com a queda. Tem que se estar demasiadamente boba apaixonada para apenas se soltar e rir lá do alto, sem se importar com os olhares daqui debaixo. Sem se incomodar que estava girando ao contrário do que o resto do mundo.

Tem que se estar muito feliz para não levar a mão imediatamente à cabeça depois de ser colocada cuidadosamente no chão e arrumar o cabelo no lugar.

Quando eles sumiram do meu campo de visão eu dei um pequeno sorriso e pensei que ela era uma dessas poucas meninas de sorte que sabem exatamente a sorte que tem. Tinha amor e aprendeu a se divertir com isso, ao invés de olhar no relógio e ver se ia se atrasar para a próxima parada, ao invés de tirar o espelho e ficar olhando se estava bonita, ao invés de se importar com quem quer que possa se incomodar com sua felicidade. Provavelmente porque sabe que só as pessoas que não fossem felizes como ela se incomodaria com seu riso frouxo e seu cabelo desalinhado.

Ela não estava nem aí pro resto do mundo por um motivo muito simples: gente feliz, cara, não enche o saco. Estava muito ocupada se divertindo pelas curvas de sua vida ao invés de tentar manter as outras pessoas em linhas retas.

É por isso que sempre antes de dormir eu nem peço, como um escritor pediu por aí,  mais amor, por favor. Amor, eu acho, a gente tem de sobra se procurar bem. Peço para o mundo e para mim – e para você que está lendo isso aqui – mais oportunidades em que a gente possa se descabelar sem se importar com isso e um montão de gente feliz ao seu lado para que ninguém te contamine com essas ideias meio tortas de o que é certo ou não na caminhada que você resolveu trilhar.

Mais importante que a chegada, é o seu caminho. Boa diversão para você. Que você tenha alguém que, vezenquando, te rode no alto, ao contrário do que o mundo roda. Só para te mostrar que quem manda na sua felicidade é você. E que o que mostra que você viveu é como seus cabelos vão estar quando tudo voltar ao normal, você estiver ao chão e voltar a caminhar.

Uma dose de amor, sim, mas duas de desalinho como acompanhante, por favor. Porque, se ao menos não der certo, você terá uma boa história para contar, num futuro próximo, quando nada mais te restar.

Postado originalmente em Endless Poem, no dia 31/07/204





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