terça-feira, 9 de setembro de 2014

Abstrato e Subentendido


Subiu no ônibus na parada entre a avenida e uma ruazinha meio escura e estranha. Eu poderia lhe dizer o nome, mas eu não sou boa com nomes nem de pessoas, que dirá de ruas que não frequento. Tinha os cabelos bagunçados e pretos e lisos e maiores do que o que a maioria das pessoas acham legais em homens. Eu gosto. Dos cabelos mais longos, cê entende? Dá pra puxar e trazer eles pra gente. E eles vem com uma facilidade incrível. As mulheres deveriam tentar mais. Tinha uma barba por fazer. Uns olhos meio misteriosos de quem sabe que chama atenção e não tá nem aí pra isso. Deu de ombros antes de passar pela roleta. Eu, do fundo do ônibus, estiquei o pescoço pra ver. Camiseta laranja. É feliz. Claro-que-é-feliz. Ninguém que não quer ser notado usa uma camiseta daquela cor laranja-tô-aqui-me-olha. E ninguém que é triste quer ser notado, certo? Quando a gente tá triste a gente só quer que o mundo se esqueça de nossa existência e a gente possa se fazer de vítima chorando tudo o que temos pra chorar encolhida na cama –que é o lugar mais quente, dizia minha sábia vó.

Foi paixão a primeiro sorriso. Ele tinha um sorriso assim, leve, de quem não se importa que saiu de um beco escuro e tava sem direção pra onde ir. De quem tá nem aí que metade do ônibus olhou meio torto pra ele porque ele subiu num ponto meio violento. E todo mundo hoje em dia esquece de olhar pras belezas a sua volta com medo de perder a vida. Grande coisa. A gente perde a vida o tempo todo a cada vez que a gente se apaixona e quebra a cara. Viver é perder pedaços no caminho e seguir caminhando assim mesmo. Viver é morrer todos os dias, de maneiras diferentes, e seguir vivendo. É isso. Só isso. Tudo isso. Nada disso.

Ele parou no meio do corredor e segurou na barra com um braço só. Com a outra mão mexia no celular e, por conta do fone, devia estar escolhendo qual música iria ouvir praquela direção que tomou. Talvez ele tenha lugar para ir. Pessoas sortudas tem lugar para ir. Ou talvez ele só esteja fugindo como a maioria de nós sempre está: a procura da porta dos desesperados. Aí a gente abre a primeira que aparece sem ver as opções que tem e depois culpa a falta de sorte, a chuva do dia, o sol escaldante, a fuga incessante, o maldito destino que só prega peça na gente. O cara da camisa laranja e do sorriso bonito tinha braços fortes e uma tatuagem linda. Tenho fracos por tatuagens. E por caras que não ligam de estarem sendo julgados por metade do ônibus. 

Mais uma paixão platônica sem nome, endereço, telefone e olhares trocados, computada com sucesso. Um cara bonito de barba-cabelos-que-gosto-camisa-laranja-sorriso-maravilhoso e braço fechado numa tatuagem tentadora de tão bonita. Dá vontade de sair daqui e me apresentar como a mulher da vida dele. Porque eu sou mesmo. Ele só não sabe disso. Ainda. E depois perguntar o que ele tá ouvindo que eu tenho cer-te-za que deve ser uma das minhas músicas preferidas de uma das minhas bandas preferidas. Não me pergunte qual. Eu gosto de tudo. E ir até lá e me segurar no mastro toda indefesa e perguntar se por um acaso ele não quer fugir junto comigo pra um lugar qualquer, que pra onde quer que a gente vá eu sempre vou carrega-lo.

Devo ser meio psicótica dizendo coisas assim pra quem não conhece como eu sou. Mas sou só uma dessas garotas que se apaixonam o tempo todo por sorrisos bonitos e não fazem nada porque esperam que a sorte bata na porta e entre e se instale e ela mesmo se sirva do café enquanto eu crio histórias na minha cabeça de um casal nada a ver que se encontraram num lugar nada a ver e se apaixonaram de um jeito nada a ver e viveram felizes para sempre até o para sempre ficar nada a ver também.

Ele é o amor da minha vida. Como também o garoto da minha sala que toca violão e faz poemas e é super tímido e inteligente e gracinha e educado e não me enxerga em momento algum. Como aquele canalha da minha rua que é super filho da puta e galinha e até que quis me comer um dia, e eu até que quis dar, mas não dei porque fiquei com medo do que as pessoas iriam pensar. Como o cantor da minha banda preferida que só num sabe o quanto me ama porque a gente nunca se cruzou por aí, num dia qualquer, enquanto o sol se punha e batia uma brisa que fazia meus cabelos voarem e ficarem com uma cor linda de crepúsculo sobre mim. Como você, do outro lado da tela, que acha que eu sou uma louca insana que precisa urgentemente de tratamento, mas que ao invés disso pega um ônibus qualquer pra um lugar qualquer, fugindo pra outro lugar enquanto tromba com mais uma paixão platônica sem passado, presente e futuro pra nenhum de nós. Depois eu culpo a sorte, a falta dela, o Deus lá de cima e o maldito destino que até cruza os caminhos, mas nunca junta quem tem que juntar.

Ei cara, quero dizer, mas o ônibus para e ele desce ainda com o fone de ouvido sem nem ter me dado um olhar. Tu era o amor da minha vida e a gente nunca mais vai se ver.

Maldito destino.

Espera aí. Onde é que eu estou e pra onde é que eu estou indo?


3 comentários:

  1. Adoreeei! Já passei por isso tantas vezes nessa vida de andar de metrô de um lado pro outro toda hora rs

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  2. Ahhh esse texto é tão tão real! rs
    Quem nunca passou por uma situação dessas né?
    Fazia tempo que eu não aparecia por aqui, e você tá escrevendo ainda melhor!

    Beijos,
    www.miragemreal.com

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  3. O fim de período além de me impedir de escrever também me impediu de ler. Só tenho uma coisa a dizer sobre os seus textos: Que saudade <3

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Comentários

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