segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O Que Você Vai ser Quando Crescer?


Quando eu era criança, eu tinha certeza de que iria ser dentista quando crescesse. Essa era a minha única resposta quando um adulto-gigante se dirigia a mim e falava: o que você vai ser quando crescer?Dentista. Antes de ser gente grande, eu seria dentista. Eu então ganhei uma maletinha de odontologia de presente de Natal e minha dentista da época me deu umas luvas e umas ampulhetas de anestesias e eu me sentia a melhor dentista do universo. Aí eu cresci.


Não tem nada de errado em crescer, exceto que com o passar dos anos e o avanço de um problema genético na gengiva , ir ao dentista não era tão bom assim. E por conta disso, acabei abandonando a ideia de que era isso que queria pra minha vida. Depois de grande a gente meio que percebe que a escolha do que você quer ser quando crescer não é tão fácil assim. Ao descobrir que não era a odontologia que me faria feliz, eu fiquei perdida e sem rumo e sem saber o que fazer porque, sinceramente, eu sempre soube o que faria. 


Da odontologia, eu passei para engenharia mecânica. Mecânica sim, eu ia ser peão. Aí, de tanto me falarem, quase fui pra jornalismo. Mas eu nunca quis transformar minha paixão pela escrita por obrigação a escrever para sobreviver. É claro que eu ia adorar viver do que escrevo, mas nunca quis que isso fosse, primeiramente, minha obrigação. Escrever para mim, não me levem a mal, já é uma questão de sobrevivência. Não faz o menor sentido eu transformar minha sobrevivência em meu produto de escrita. Aí resolvi que a única coisa que eu queria mesmo, como qualquer garota do interior, era sair dessa minha cidade infernal e resolvi tentar algo que até tem na Federal daqui, mas fica em outra cidade. No caso, bioquímica. Tecnicamente, a terceira escolha. A primeira era engenharia genética, que só tinha na época na USP e ir para São Paulo, para minha mãe, estava fora de cogitação. A segunda era biomedicina, que só tinha em Belo Horizonte, que para minha mãe, continuava fora de cogitação. Ok. Vamos fazer bioquímica.


Tentei três vezes, sem grandes sucessos. A prova específica era um inferno, era difícil, era cansativa e eu não estudava o suficiente, confesso. Duas vezes eu fiquei na lista de espera e uma delas eu até fui chamada, mas não fui. Me sabotando, como sempre. Ou talvez porque sabia que, apesar de amar física, não era na bioquímica meu lugar. Só depois de três tentativas que, nos meus tempos de ainda vestibular de duas fases, sem precisar de nota do ENEM, eu descobri que as específicas de psicologia eram a minha cara: português, história, biologia e língua estrangeira. Fala sério, essa prova era mamão com açúcar e eu nem precisaria estudar muito.


Passei, com a certeza de que seria a maior seguidora de Singmund Freud, psicanalítica convicta, dona de uma clínica depois de onze períodos na faculdade. No terceiro período, já meio que mudei de ideia. Talvez eu ainda mude de ideia várias vezes. Não me levem a mal, eu ainda sou apaixonada por psicanálise, mas descobri que a clínica não é minha única opção. E a psicologia hospitalar vem ganhando um enorme espaço dentro de mim. Onde eu quero chegar, afinal, você deve estar se perguntando.


A escolha profissional é uma bosta. A gente arranca os cabelos, bate o pé, fica na dúvida e não sabemos se, mesmo depois da inscrição, estamos no lugar certo. Todos os dias pelos corredores do meu campus eu vejo pessoas que parecem que estão em um lugar errado, procurando onde querem estar. Todos os dias alguém encosta ao meu lado e resmunga que não aguenta mais essa loucura. Porque a faculdade é mesmo uma loucura. E, cara, não importa o quanto você ame o curso que você faz, vez ou outra você vai querer abandonar tudo e vender arte na praia, viver do que a natureza dá. Tem pessoas que eu tenho a certeza de que gostam do que fazem e mesmo assim caem em uma crise existencial no meio do período, quando estão atoladas de coisas pra fazer. Porque, repito, faculdade é uma loucura e não como American Pie; mais como os professores sem noção que acham que só temos a matéria dele e que vivemos em função daqueles prédios cinzas e frios e insossos que às vezes lembram um hospício. E a gente meio que se identifica como aqueles bandos de loucos, que mal dormem, comem, ou tem vida social (porque ter vida social, dormir e ir bem na faculdade é humanamente impossível).


Esses dias topei com um velho amigo meu que no ensino médio tinha a cer-te-za – assim, soletrando mesmo – que queria química. Aí eu descobri que a certeza dele foi pro brejo no meio do caminho e do curso e ele abandonou tudo, voltou pro cursinho e tá tentando descobrir o que quer. Talvez ele já até saiba, mas está com medo de assumir. Parece que é errado querer fazer uma faculdade que não dá dinheiro para gente de alguma forma, no mundo capitalista que vivemos. Eu sei. Eu entendo. Mas escuta aqui: desistir do que a gente quer não é crime não. Crime é a gente ficar insistindo em algo só para pendurar um diploma na parede que nunca vai usar e falar que, oras, sou formado, sou alguém na vida, já posso até ser preso há-há-há. 


Não, cara, não. A gente muda de opinião o tempo todo sobre tudo. Desde gosto musical até o que queremos pra nossa vida. Tem um monte de profissão que eu adoraria fazer. Mas eu amo o que eu estudo, mesmo que às vezes eu surto lá no twitter e cuspo minhas raivas nos textos do meu blog. Mesmo que eu caia no choro e abraça forte meu namorado, futuro também colega de profissão. Mesmo que eu tenha que me entupir de café para conseguir fazer todas as atividades do período que eu peguei para fazer. Eu tô no meio do meu curso – exatamente, no meio. E se eu te disser que nunca pensei em largar tudo para fazer letras, jornalismo, qualquer coisa que todo mundo sempre fala que tem muito mais a minha cara, eu estaria mentindo. Mas eu vou pra faculdade feliz e sento na cadeira feliz e, tudo bem, já mudei de ideia do que vou fazer depois de formar um milhão de vezes e provavelmente vou mudar mais algumas, mas eu ainda assim sou apaixonada pelo que eu estudo.


Sei lá, cara, não tem nada de errado em você chegar ao último período e descobrir que tá perdendo seu tempo fazendo esse curso. Não tem nada de errado em desistir e começar tudo de novo num curso totalmente nada a ver. Não tem nada de errado também em você se formar, pendurar o diploma na parede e, de repente, descobrir que não quer trabalhar com isso, apesar de ter adorado a experiência de aprender mais. Não tem nada de errado em você abandonar seu trabalho depois de ter um emprego fixo e uma carreira espetacular para ir fazer um curso de humanas, para ir dar aulas numa escola municipal, para vender artes na praia, que seja. Não tem nada de errado em você, prestes a encarar 180 questões do ENEM, não saber pra que está fazendo a prova ou se sua escolha tá certa mesmo e é isso que você quer pra sua vida. Sabe o que eu aprendi em dois anos e meio de faculdade?


A gente muda de opinião o tempo todo e estamos sempre desejando coisas pra nossa vida, independente de nos realizar com um desejo ou não. E errado mesmo é aquele que prefere viver na inércia da insatisfação a se jogar na vida e arriscar tudo o que pode perder, pela chance de ganhar. Errado, gatas e gatos, é não ser feliz. Porque no fundo, a resposta mais sábia que uma criança pode dar quando um adulto de terno e gravata perguntar, e aí, bonitinha, o que é que você quer ser quando crescer? é essa .


O que importa não é que você será gente grande, importante, fazer tal curso e ganhar milhões. O importante é se você vai ser feliz. E felicidade nada mais é do que aceitar que a vida é uma caixinha de surpresas e que de certeza na vida a única coisa que a gente tem é que vamos morrer. Mas até lá a nossa única obrigação nessa vida é sorrir e se divertir mesmo com os machucados, desilusões e mudanças de opiniões que teremos de enfrentar.

Postado em Endless Poem em 30/09/2014

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