sexta-feira, 13 de março de 2015

Dissonantes



Você foi minha cor mais dissonante. No meu espectro de cores sempre pasteis, você foi um vermelho perdido entre o nude e o bege sem graça. Você se pintou bem ali onde não lhe cabia espaço para se pintar. Você, vermelho-fogo-ardente-intenso. Você, vermelho-paixão. Nada rosa-amorzinho nada azul-calminho nada verde-esperança. Você foi furacão.

E eu nem posso te acusar de ser aquele tom cegante, sabe? Aquela cor que deixa a gente confusa num instante e temos que piscar o olho pra se acostumar a olhar. Você sempre foi você o tempo todo. Você foi inteiramente você e talvez seja isso que mais me doa. Você nunca se fingiu, nunca se camuflou, nunca se escondeu num vermelho-rosado ou num vinho-envelhecido. Você nuca incandesceu a ponto deu ter de fechar o olho pra não doer a vista. Não foi a vista que me doeu. Nunca foi, a gente sabe.

Fui eu que tentei te camuflar entre as outras cores. Eu que quis jogar um pouco de pastel pra você se clarear. Você nunca me prometeu nada. Nunca me ofereceu nada além de uma paixão momentânea, além de um vermelho-agora-o-amanhã-a-gente-vê-amanhã. Fui eu que imaginei uma foto nossa numa moldura de porta-retrato brega do lado da minha cama. Eu que sonhei com passeios no domingo a tarde de mãos dadas enquanto nos lambuzávamos de sorvete colorido. Fui eu que desenhei uma aliança no meu dedo, que coloquei você de terno-gravata-preto-branco sobre o altar. Logo você, todo vermelho, de preto-branco-sem-graça sobre o altar. Sou uma tola, eu sei.

Mas não sou burra e sei que nunca foi você. E é difícil admitir depois que eu te difamei pra meia cidade, depois que eu fiz todas as minhas amigas acreditarem que você me iludiu pra me levar pra cama, que você me prometeu um futuro que sempre, desde o primeiro olhar, foi apenas meu. É difícil olhar no espelho e assumir minha mentira sustentada com lágrimas, ódio e desprezo. O desprezo que, esse sim, sempre veio de você. Fui eu que vi a gente em música romântica. Fui eu que quis ter um filho contigo, dois filhos, três, quem sabe. Morar na praia, viajar nas férias pra fora do país, ter um cachorro de raça pra cuidar. Fui eu que quis envelhecer com você. Cê ta me entendendo? Tá me entendendo que eu sei que sempre fui eu e nunca, nunca mesmo, foi você?

Porque nunca poderia ser você quando você nunca esteve. Quando nunca segurou minha mão. Quando nunca secou realmente uma lágrima que não foi você o culpado por derramá-la. Você nunca quis estar. Eu que, boba que sou, sempre me imaginei sua. Sempre quis que você fosse meu. Sempre me iludi que você estava. É que você foi tão vermelho em minha vida que tudo o que desejei foi ser um tom vermelho nas suas cores também.

Mas eu sempre fui uma palheta nude, quase transparente. E você é apenas uma cor perdida no meio de uma sequência descolorida. É por isso que fomos tão dissonantes. Porque nunca foi você nem nunca poderia ter sido. Porque sempre foi apenas eu.

Você nunca foi rima. Eu que, romântica e idiota que sou, te imaginei poesia.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Compartilhe