segunda-feira, 23 de março de 2015

É Pelo Seu Jeito De Beber Café



Você chegou sem bater na porta e já foi logo escancarando as cortinas da minha alma. Deixou a luz do sol entrar e expulsar todos os meus medos mais sombrios, tirou os curativos, limpou as feridas, deixou que eles pegassem um pouco de ar porque segundo você ar faz bem pra machucado, e colocou novos, dessa vez colorido. Você pintou paredes, tampou rachaduras, recolocou os azulejos caídos no chão da última partida que eu não tive coragem de arrumar. Você tirou a poeira, guardou os lençóis que protegiam os móveis e trocou a roupa de cama. Foi logo se esparramando assim pelo colchão e se esparramando assim pela minha cama e se esparramando assim no meu coração.

Já faz tempo isso. Mas toda vez que olho pra você esparramado na cama, lendo um livro, com essa cara de quem nunca mais vai embora, me dói o peito. Me dói o peito porque eu sei, eu sempre soube: você vai embora. A vida é feita disso, de pessoas que chegam, de pessoas que vão embora, de raramente pessoas que permanecem, que topam essa guerra junto com você e ficam por mais de uma batalha lutando ao seu lado. Você não é do tipo de pessoa que permanece. Você nunca foi.

Sei disso pelo seu modo de beber café. As pessoas são assim como bebem café. Tem quem evita porque evita também encarar o amargo da vida, pra elas tudo é doce, e café só faz sentido se for um capuccino, mas nunca, jamais, um café puro. Tem quem goste de qualquer tipo e não tem medo de cair, se quebrar, estrepar todo porque o importante é viver. E tem as do tipo você: as do tipo que só bebe café enquanto ele está quente, foi feito na hora, dá pra afastar o frio que carrega dentro de si mesmo. Gente que gosta mais da temperatura do que do sabor e é por isso que apenas segura com a mão a xícara de café e demora pra beber até o ponto que não bebe mais porque esfriou.

Você acha tudo isso loucura e é por isso que nunca te falei. Nunca te falei que mesmo assim, quando você está em paz jogado na cama, de pijama, sem querer ir pra nenhum lugar eu sei que você vai. Eu tenho certeza de que você vai. E não importa que você me diga que me coloca nos seus planos de futuro e não sabe por que essa insegurança me assola às vezes. Não é o futuro que me incomoda. Nunca foi.

É no seu presente que não tem lugar pra mim.

É nas suas escolhas diárias, no seu pedido de café da manhã na padaria, na ligação que não faz pra dizer que está bem quando fica muito tempo longe, nas vezes que decide pra onde e com quem está saindo, e que eu vou de qualquer jeito, mas quando me fala dá a entender que vai só você e eu e não com toda sua família. É no jeito com que você é quando eu estou com sua família. É naquela mão na cintura que você não coloca quando estamos em turma e no jeito que se afasta quando eu tento deitar a cabeça no seu ombro, te trazer mais pra perto de mim, não te deixar fugir assim.

É por isso que você vai embora, porque nos falta presente. E essa é a única certeza que você me dá todos os dias quando acordo e você ainda está aqui. Eu não sei quando você vai. Se na próxima música, na próxima xícara de café ou na próxima esquina. Seu futuro pode ser meu, mas o presente já é de outra pessoa e você nem desconfia.

Eu não confio em você. Não importa o quanto o seu futuro tenha a ver com a gente se pra chegar lá você já nos roubou um presente que nunca vai existir.

A minha única dúvida é saber se você vai embora e me deixar inteira ou se vai fazer como todos os outros antes de você que me destruíram pra que você conseguisse me reconstruir. Não importa. Sou grata a você, pelas cores, as tintas novas, as cortinas decoradas. Sou grata a você por ter cuidado das minhas feridas, juntado meus cacos, jogado toda sujeira fora, trocado o curativo e beijado pra sarar. 

A vida é assim: feita de pessoas que te quebram e pessoas que te curam e, vez ou outra, quem te quebra é quem te cura e quem te cura é quem, daqui a pouco, irá te quebrar.


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