quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sobre A Matemática Dos Meus Relacionamentos



Eu sempre gostei das operações básicas da matemática – adição, subtração, multiplicação, divisão –. No começo da minha vida escolar, matemática era a minha matéria preferida e foi por mais da metade da minha vida. Enquanto meus colegas de sala se desesperavam pra aprender a diminuir de duas casas, eu já me aventurava nas maravilhosas multiplicações. A divisão, eu confesso, tive um pouco de dificuldade no começo. Ironia da vida, eu, filha única, pertencente a classe de que todos rotulam como quem não consegue dividir, com problema de divisões. Faz todo sentido, no fim das contas. Faz também todo sentido que eu era simplesmente apaixonada por problemas de multiplicação. Que nunca precisei ficar horas a fio decorando aquela tabelinha que as crianças da minha época carregavam pra aula. Nunca precisei de um lápis com as operações atrás. A verdade é que, apesar de ter escolhido ser de humanas justamente pra não ter de trabalhar com matemática, ela e eu sempre tivemos um relacionamento muito mais que amigável.

A multiplicação sempre me encantou. A soma, apesar de gostar, sempre me deixava um pouco entediada. Mas a multiplicação para mim, no alto dos meus sete ou oito anos, era mágica. Eu pegava duas laranjas e multiplicava por três laranjas e como assim eu tinha seis laranjas? Que feitiço era esse que mais do que dobrava todas as coisas? Eu ficava olhando o caderno e pensado comigo mesma que aquilo fazia muito sentido para minha vida: eu, que nunca gostei de médias, sempre querendo ser transbordada, mais do que apenas somada, multiplicada em tudo o que sou.

Cresci. E foi só na adolescência fui me apaixonar por palavras e português. Meu primeiro amor foram os números, a minha primeira paixão foi a multiplicação. Deve ser por isso que eu encaro as relações como, nada mais, do que operações básicas de matemática. A quem só nos diminua. A quem só nos divida. A alguns que nos soma. E uns bem poucos que nos multiplica. Eu, particularmente, prefiro a raridade do último. Gosto de gente que me desafia. Gente que, quando eu ofereço-me inteira, não me oferece a metade e me reduz pelo meio. Pior, gente que depois que eu tenha me dado toda, me ofereça um número nulo e me anule ao seu lado. Tenho pavor de quem me anula. Gosto de gente que me aumenta casas, não de quem diminua as que eu já tenho.

É por isso que eu mantenho perto de mim as pessoas mais diferentes possíveis, com quem posso debater por horas a fio sobre pontos de vistas diferentes e ainda assim dar um abraço no final. Isso deixa muita gente confusa: como assim você é amiga dessa pessoa se vocês quase se matam em determinados pontos? É justamente por isso, é justamente pela oportunidade de aprender com essa pessoa e me multiplicar que eu a mantenho na minha vida.

Quando eu comecei a sair com quem se tornaria meu atual namorado, algumas pessoas vieram me perguntar se eu tinha enlouquecido. Você está maluca, não é? Ele é completamente diferente de você, vocês gostam de coisas completamente antagônicas, é loucura. É verdade. Os livros que ele gosta de ler eu não li. Ele gosta de filmes nerds e eu, bem, não resisto a um conto de fadas novo. Minhas músicas preferidas são da nova MPB e ele adora Bethoven. Suas bandas preferidas pertencem a uma classe de música que, antes dele, eu nem sabia que existia. Ele é conservador. Eu sou pós-modernista. Odeio vírgulas, pausas e até pontos finais. Ele é estruturalista. Acredita que tudo tem uma lógica e um fim. Eu acho que às vezes o fim não tem lógica, e às vezes nem tem fim e está tudo certo. Ele vive pro futuro enquanto eu repito que esse futuro tem boas chances de nunca chegar. E por estar sempre no futuro, é completamente nostálgico. Eu vivo o presente, para mim o que importa é o momento, o hoje, quem está comigo agora e o que eu posso aprender do que vivo nesse instante.

A conclusão disso? Estou fazendo esse texto ao som de música clássica, que, antes dele, eu não podia nem pensar em ouvir. Ele aprendeu a entender os modernistas, acha O Teatro Mágico um bom grupo e foi obrigado a ver filmes como A Culpa é Das Estrelas e A Menina Que Roubava Livros. Tudo bem, sabe, eu tive que ver Senhor dos Anéis e Star Treck também.

Mas é justamente por isso que a gente dá tão certo. Porque não passa um só dia que eu não aprenda uma coisa nova com ele, seja um conceito, uma música, um filme, uma piada ruim ou uma observação que eu nunca teria feito sozinha. Sei que o contrário também acontece e então, desde que estamos juntos, nos multiplicamos muito mais do que nos diminuímos ou até nos somamos.

Sempre digo que o ruim de relacionar-se é que convidamos pra nossa vida uma pessoa completamente diferente de nós, independente se temos ou não coisas em comum. A pessoa que chega foi criada de maneira diferente, tem moral e valor diferente, encara tudo de um jeito que você provavelmente nunca pensou ser possível encarar. Isso é complicado. É o mais difícil de qualquer relacionamento: saber ajustar as pontas de maneira que, mesmo com toda a dissonância, vocês consigam se manter unidos. Se relacionar é complicado porque a gente tem que abrir mão do que a gente quer muitas vezes, se dividir, muitas vezes, pra ganhar um pouco mais lá na frente. 

Eu, que nunca coube em bordas, só aceito nos meus relacionamentos quem consegue me transbordar. Me multiplicar, mesmo quando me divide. Gosto de gente que é capaz de não só caminhar comigo, mas me empurrar quando eu empacar. Gente que me motiva. Que me faz ter admiração. Que me ensina todos os dias coisas novas e novos jeitos de ver as velhas coisas. Gente que me desafia a ser cada dia melhor, a me doar cada dia mais, a me ofertar sem medo porque sei que ganharei o mesmo dessa pessoa. Gente que se entrega. E por se entregar, se multiplica dentro de mim.

Por isso, só bata na minha porta se vier para me multiplicar. Porque nossas diferenças podem ser o que vai deixar nosso relacionamento mais difícil, mas, com toda certeza, é com o que eu posso aprender com você que transforma nossa relação na coisa mais linda que ela pode ser. E é isso, meus caros, que faz tudo o que foi vivido valer a pena no final.


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