quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Eu Não Sou Caio F. (Mas Quero Tentar)

Este é um texto de agradecimento à obra deixada por Caio F. Abreu 
e a cada um de vocês que manteve o UDC no ar, com sua leitura, sua curtida e seus elogios.
Obrigada. Isso aqui não existiria sem a leitura de cada um de vocês.



Vocês já estão carecas de saber da minha paixão eterna pelo Caio Fernando Abreu, o cara que já escreveu tudo o que eu queria ter escrito, que transformou em poesia toda a dor que já senti, imaginei sentir, me livrei ou não livrei tanto assim. Vocês já leram mais de um texto que eu uso frases dele como ideia principal. Qualquer pessoa que me conhece o mínimo, além do meu nome e do curso que eu faço, sabe que Caio F. é meu ideal de escritor, pela riqueza de suas obras e pela sinceridade e lealdade com que ele tratou seus próprios sentimentos, sem medo do que aguentaria por isso.

Caio F., numa de suas cartas, declarou que achava irônico que no país em que ele nasceu, cresceu e morou a maior parte da vida ele fosse despejado de um apartamento por falta de pagamento de aluguel, enquanto que na Alemanha ele dava autógrafos nas ruas, porque era reconhecido como autor. Caio F. era de uma ironia fina.

Morreu pobre, mas não morreu sufocado nas palavras que queria ter dito. Ele é considerado pelos estudiosos um dos autores que mais se misturaram com seus personagens, muitas vezes fazendo quem quer que o lesse confundisse o que era real e o que era distópico. Ele nunca se entregou a meios sentimentos. Ele nunca se entregou ao que o mercado lhe pedia. Ele escrevia suas fantasias malucas, com dragões e astrologia, contra a censura e sobre homossexuais, num tempo de ditadura, sem se esconder. Caio F. foi, para mim, um mito do que é ser autor e do que é ser escritor. Ao explicar o processo de criação de Morangos Mofados, ele diz ao amigo que não confiava em nenhum escritor que lançava livros junto de salgadinhos. Livros, para Caio, não eram motivos de festas. As festas não permitem intimidades e Caio não se contentava com beijos na sua literatura –Caio toca sua alma, sem se preocupar com o corpo. Caio te atravessa. Caio te desnuda.

Há não muito tempo, li numa das indiretas mais diretas da minha vida, que vivo de obras fracassadas. Doeu? Doeu, é claro. É necessário um pouco de tato para perceber o quanto o que escrevo é importante para mim. Mas então eu percebi que não vivo de obras fracassadas, simplesmente porque não vivo de obras. Eu vivo da verdade que eu trago no peito e que, a meu modo, tento passar para o papel e alcançar as pessoas que se identificam comigo.

Escrever não é fácil. Escrever não é simples. E, mais, escrever não é bonito. Não importa o que lhe digam sobre. Não é fácil você retirar suas armaduras e se mostrar tanto, sejam nas letras, seja no que não foi escrito. Não é simples você ser claro nas suas ideias sem que isso despoetize seus sentimentos. Não é bonito pegar a dor na mão e tentar molda-la de um modo que seja fácil engoli-la novamente. Não. É doentio, é doente, é cruel, e é a cura. Escrever exige atos de coragem vinculados à disciplina. Exige dar a cara a tapa para qualquer coisa, inclusive para o seu próprio limite. Escrever pode ser enlouquecedor. Mas escrever, para mim, sempre foi o único modo de acalmar a minha dor.

O UDC nunca foi criado para fazer sucesso. Ele era um blog que fiz para amigos e que, desde o começo, serviu para fazer vínculos. Gosto de conhecer pessoas. Principalmente, gosto de conhecer pessoas que passam, sentem e vivenciam coisas que eu passo, sinto e vivencio. Gosto de saber que não estou sozinha. E mais, gosto que as pessoas sintam que não estão sozinhas. É por isso que mantenho o UDC depois de tanto tempo. Não pelo número de curtidas. Não pelo número de comentários. Não pelo número de elogios. É claro que isso é importante porque todo mundo quer ser reconhecido no trabalho que faz. Mas mantenho o UDC porque ele me trouxe pessoas maravilhosas, que quero levar pro resto da vida. Pessoas que me mostraram que minha dor não é única, que sentimento compartilhado cresce, que coisas ruins, quando divididas, ficam mais leves, que escrever é um ato de coragem de expulsar da gente coisas que nem sempre são bonitas, mas ler e se identificar é um ato de coragem ainda maior para quem dá abrigo a palavras que, sem companhia e sem leitura, são apenas palavras.

Eu não sou Caio F. Estou longe de ter a sua ironia fina, o seu domínio sobre as pausas, o ritmo, o modo câmera de filme cult que ele construía seus enredos. Estou há milhas de distância da sua prosa poética e de seu senso crítico do mundo, transformado em poesia. 

Eu não sou Caio F. E tudo bem por isso. E tudo bem por meu livro não fazer sucesso, pelo UDC não ter um público gigante, por eu não ter fãs loucas alucinadas. Tudo bem. Mesmo. Tudo o que quero é viver a verdade do que eu mais gosto de fazer (escrever) sem precisar me mascarar, esconder opiniões, fazer-me de cega para questões sociais. Porque eu não sou Caio Fernando Abreu.

Mas me dou ao direito de tentar.



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