Tem dias que tudo dá errado, ela grunhiu, irritada porque havia levantado atrasada num dia que não podia se atrasar. Lá fora a chuva caía ignorando todas as preces dela para que ficasse um dia bonito. Nem sabia por que anda pedia. Como dizia sua avó, quase podia ouvi-la, “quanto mais rezo mais assombração me aparece”.
A cidade estava um caos. Ela foi andando até o ponto de ônibus, tentando –em vão –se proteger da chuva. No meio do caminho, o carro passou sobre uma poça e mandou toda água suja nela. Ela bateu o pé, estressada, suja e atrasada demais para voltar para casa.
Subiu no ônibus lotado. Parecia sardinha em lata industrializada. Mal conseguia respirar, prensada entre dois homens que conversavam entre si, despreocupados que estivessem esmagando uma mulher bem menor do que eles.
Quando o seu ponto chegou, meia hora atrasada, encharcada, suja e decomposta para sua entrevista de emprego, ela quase deu graças a Deus. Mas era cedo de mais para comemorar qualquer coisa. Depois do sufoco para sair da lata de sardinha motorizada e pular da poça imensa logo depois do degrau, ela escorregou. Conseguiu se alvar do tombo, mas não salvou sua sandália.
Antes que pudesse proferir todos os palavrões da língua portuguesa que tinha conhecimento, o homem que vinha na bicicleta a atropelou derrubando todo o café no copo sobre ela. Ela grunhiu caindo na poça suja de chuva, abismada com a sorte que ela não tinha.
O homem caiu sobre ela, também assustado. Ela o encarou, pronta para despejar todo seu ódio e frustração. Não podia ir para a entrevista daquele jeito. Nem mesmo podia voltar para casa daquele jeito. Ensopada, suja de água de chuva, com a sandália arrebentada e cheirando café.
Mas ao encarar a imensidão verde que a olhava, preocupado em ajuda-la, a única coisa que veio em sua cabeça foi...
Tem dias que tudo dá errado. E, ainda assim, parece que deu tudo certo.
Tem dias que tudo dá errado. E, ainda assim, parece que deu tudo certo. //No fim, sempre acontece algo de bom ;)
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