Perdi minha blusa na sua casa. Logo eu que sempre fui tão
cuidado para não deixar coisas minhas com você, que é pra você não transformar
nosso lance em romance, fui deixar aquela minha blusa preferida aí. Você disse
que não a viu, mas outro dia a achei escondida no fundo do seu armário enquanto
você, inocente da minha busca por seu apartamento, dormia. Fiquei me
perguntando como foi parar aí, até que concluí que deve ter sido naquele fim de
semana que minha casa ficou alagada com os canos estourados e você me deu
abrigo dizendo que seria interessante passarmos esse tempo juntos. Você deve
ter surrupiado e escondido. Levei meses para dar falta dela, procurei na casa
da minha mãe, na casa da minha irmã, na lavanderia. Você mentiu dizendo que não
estava aqui enquanto eu rodava louco por aí atrás da minha camisa, para
descobrir que ela sempre esteve com você.
Pensei em pega-la sem avisar e leva-la de volta para a
segurança da minha casa, mas desisti ao cheira-la. Meu perfume cítrico
misturou-se com seu perfume doce, deixando uma essência agridoce irresistível e
viciante. Eu não tinha me dado conta do quanto a gente combinava até cheirar
essa blusa. Isso me fez pensar quantas noites você dormiu com ela até que ela
chegasse ao cheiro que está. Todas as noites que eu arrumo uma desculpa para não
ir, com medo que você comece a levar esse relacionamento mais sério do que é? Ou
só quando brigamos e eu passo dias sem dar noticias? Quando foi que me tornei tão importante para
você para que você durma com minha blusa para não sentir minha falta enquanto você
age como se não se importasse por todas às vezes que vou embora e fico semanas
sem dar sinal de vida? Deixei a camisa onde estava e fui embora sem esperar você
acordar. Esse fato me deixou confuso e eu preciso pensar.
Vasculhei minha casa para ver se tinha algo seu, qualquer
detalhe, que eu deixei passar. Achei aquele seu brinco no meio das minhas
coisas e isto me assustou. Eu me lembro bem, você interrompeu meus beijos para
tira-los antes que os perdesse como tantos outros que caiu enquanto nos perdíamos
um no outro. Liguei pra você e perguntei
se não deu falta de nenhum par de brinco, mas você disse, distraída demais pro
meu gosto, que perde bijuteria o tempo todo e que por isso não compra joia
cara. Então digo que achei um par seu
aqui e pergunto porque nunca o buscou. Você suspira, parece cansada, e responde
que é verdade, esqueceu aqui e que sempre lembra de vir buscar, mas como
raramente te trago pra minha casa fica difícil pega-lo de volta. Desliga na
minha cara, sem se despedir, porque tem que trabalhar. E me deixa mudo por mais
tempo que deveria. Deixo seus brincos ao lado do meu relógio para lembrar de
levar para você no nosso próximo encontro.
Você conversa por tempo demais com minha mãe no telefone quando ela
liga pra mim. Ela gasta mais falando com você do que comigo e eu me pergunto quando
vocês foram apresentadas, que eu não estava lá, ou como ficaram tão amigas se
uma das regra para isso dar certo era você não conhecer minha família. Outro
dia flagrei você anotando a receita do meu bolo preferido com o telefone na mão
enquanto eu assistia o futebol de domingo. Você nunca tentou faze-lo, o que me
leva a imaginar que você esteja com medo de cruzar a linha de segurança do
nosso relacionamento importa por mim.
Outro dia peguei você e sua mãe discutindo, ela falava mal
de mim e tentava te fazer abrir os olhos pro quão errado e torto sou. E você,
contra todos os fatos, me defendeu. Acho que você pensou que eu não ouviria
porque estava no banho e você nunca tocou no assunto, como se a briga naquele dia
nunca tivesse acontecido. Eu deixei para lá, mas sabia que você ter me
defendido para a sua mãe quando na verdade deveria ter concordado, era um
detalhe grande demais para ignorar. As coisas mudaram e não tem como negar.
Você continua agindo como se não importasse com minhas
sumidas, mas parece ficar mais tempo em silêncio do que costumava. Eu continuo
dizendo que não nasci pra romance, mas pareço ficar mais incomodado em
desmarcar encontros pra ir no futebol com amigos. Não gosto quando outros
homens te olham e se aproximam, e você parece mais impaciente com meus atrasos.
Suas roupas justas e curtas quase me tiram o sono, e você fecha a cara sempre
que algum ex lance meu se aproxima sorrindo demais. Você se irrita sempre que
eu não atendo o celular, e eu odeio quando desliga na minha cara sem se
despedir. Faz tempo que eu no me interesso por outra garota e eu sei que você não
sai quando não vou com você.
Não sei quando aconteceu. Mas outro dia nós ficamos em
silêncio por mais tempo, e eu soube que era um daqueles momentos propícios para
falar de sentimento, caso eu não fizesse alguma coisa. Fiquei imóvel e quem
quebrou o clima foi você. Pela primeira vez durante esses meses eu me odiei por
ter imposto limites no nosso envolvimento. Sei que se isso fosse um romance eu
nunca teria ido embora. Mas se fosse apenas um lance, eu não teria voltado
tantas vezes.
Você finge que não está com a minha camisa e eu finjo que
ando esquecendo de te devolver seus brincos. Os limites desse envolvimento se
misturaram com o desejo de não nos desgrudarmos, sem que eu me desse conta, sem
que eu desejasse pular fora. Logo eu, que morro de medo de um romance. Sei que
um dia vou te entregar um anel enquanto comemos meu bolo preferido feito por você
e que não é um dia tão longe quanto gostaria. Mas, por enquanto, fingimos que não
vemos os detalhes e que isto continua sendo um lance, para que eu não me
assuste e pule fora antes da hora, e não o verdadeiro romance que tomou conta
de nós dois.
Aameeii! Lindo texto, parece que você tem mania de escrever a vida dos outros sem conhecê-las. Parabéns!
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