terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Graças A Deus (E Ao Diabo)



Você poderia ter sido meu amor mais doentio, avassalador, dilacerador e visceral. Poderia ter me deixado em vísceras nojentas, feridas abertas e dilatado em mim minha loucura mais sangrenta. Ter sido meu escândalo escancarado na hora do rush em plena Avenida Paulista. E me feito rastejar por quilômetros mentais em busca da minha salvação. Você tinha tudo para ter sido minha própria salvação ou até minha própria perdição de vez aqui dentro e aí fora, no corpo santo e na alma voluptuosa que escondo com terninhos-chiques-de-escritório-e-maquiagem-angelical para adormecer o demônio que vive em mim. E você poderia ter me tido por mais de uma noite dividida naquele motel xexelento de beira de estrada que me levou para que aliviássemos uma tensão de uma semana louca de trabalho e o tesão natural de uma aventura desconhecida numa noite de happy hour da sexta-feira quente e inquietante num bar de uma esquina qualquer que nunca mais voltarei. E você poderia ter me prendido em algemas de verdade e não naquela algema vagabunda e preta que carrego na bolsa, compradas num sex shop de quinta para noites como essa. E teria me algemado a você e não numa cabeceira de cama também vagabunda do pior motel que algum canalha já me carregou. E eu poderia ter te rasgado a alma com minha entrega desmedida e não somente sua pele com minha unhas-compridas-vermelho-tigresa que te arrancou sangue em plena selvageria. E talvez você tivesse me tido doce como uma gatinha e não selvagem como uma onça; não apenas louca por sexo, mas sedenta por amor.



Você poderia ter me arrancado não só as roupas do corpo como as que enrolam a minha alma. E ter notado que sou mais do que uma cinturafina-barrigadefinida-seiosredondos-e-uma-bundanolugar, conseguida com horas de esforço endorfina e suor numa academia que tem um personal trainer tão gostoso quanto carrasco. E notado que por trás da gostosa-safada-selvagem que te levou à loucura em meio a lençóis sujos que nem devem ter sido lavados e carregava ali outras fodas sensacionais –mas não viscerais– também há uma carrasca de mim mesma cheia de feridas machucados sangue pus e doenças. Mas talvez se tivesse me visto assim teria corrido porta a fora e madrugada adentro e não ficado e entrado em mim. E então você poderia ter me arrancado orgasmos múltiplos e não aquela gozada fingida-satisfatória que você classificou como sensacional-inesquecível. E talvez eu tivesse segurado sua mão e não apenas o resto. Nós nos apresentaríamos e planejaríamos nosso futuro e depois dormiríamos ali mesmo naqueles lençóis sujos marcados de uma porra que tinha tudo para me marcar e não marcou. E então pela manhã nós faríamos aquele sexo lento sem beijo na boca para não estragar o clima e descobriríamos nus apaixonados e bobos um pelo outro.

E teria me doído sua subida de calça sem me olhar duas vezes e aquele “te ligo” de quem não tinha a merda de intenção alguma de ligar. E te doeria ouvir que a gente se veria por aí quando nunca mais nos reconheceríamos porque não tivemos tempo de nos conhecer. E você teria me tatuado a ferro fogo lágrimas e dor e não só ficado pelo meu corpo como mais uma aventura maluca protegida por uma camisinha e orgasmo fingido por gritos de quero-mais-você-é-ótimo-OH MEU DEUS. E talvez eu tivesse que estar tendo que juntar meus cacos de uma decepção e não só as minhas roupas no meio desse chão sujo e respingado de outras aventuras de uma noite só que nunca foram limpas daqui. E ser obrigada a sair de sua vida e não desse motel xexelento de quinta categoria que você me trouxe e que prefiro esquecer. Você teria sido uma catarse e eu teria que criar uma epífrase para aumentar a nossa história de sexo casual para mais algumas linhas. E teria deixado rastros de paixão num coração disparado e nas borboletas de estômago e não na pele vermelha pelo excesso de um sexo sem compromisso e sem razão. E você poderia ter sido tudo isso se não fosse graças a você e a sua fuga aos tropeços sem olhar para trás nem para dar uma conferida no que estava abandonando. E também graças a Deus, você foi só uma foda gostosa de alívio de tensão de uma semana maluca de trabalho. E abro um parêntese final para dizer que foi gostosa, mas não sensacional e, menos ainda, inesquecível. E graças ao Diabo, meu caro, fodas gostosas existem aos montes por aí perdidas e loucas para serem encontradas. E se perderem nesse corpo não santo que você abandonou por aqui, no meio de lençóis sujos de um motel xexelento do qual nem sei o nome e do qual nem vale à pena se lembrar.


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