terça-feira, 26 de maio de 2015

Eu Não Pensei Em Você




Eu nunca imaginei que esse dia chegaria. Eu achei que nunca chegaria. Mas então eu acordei e não pensei em te dar bom dia. Não pensei em te ligar e reclamar de quem disse que seis horas da manhã era um ótimo horário pra se levantar. Eu não pensei que eu queria você no meu corpo pra esquentar o frio que faz lá fora, ao invés do meu moletom velho que você adorava me ver usar. Eu nem sequer pensei em pegar o moletom. Acabei vestindo uma outra blusa sem querer.

Eu tomei café e não lembrei que você odiava o açúcar e me xingava pelas três colheres e meia numa xícara tão pequena. Você está matando seu corpo com tanta sacarose, você dizia. Eu não ensaiei nenhuma resposta na minha cabeça. Eu nem mesmo quis dizer que quem acabou me matando foi você.

Eu não pensei em você enquanto pegava o ônibus lotado e procurava um lugar para sentar porque não consigo me manter em pé em equilíbrio em nenhum transporte em movimento. Não achei lugar nenhum e não tinha seu corpo pra me alojar e me proteger. E quando o motorista freou bruscamente eu quase caí. Mas não pensei em você. Eu não pensei que você odiava ter de enfrentar essa multidão pra ir ao trabalho, que queria se mudar pro interior, onde não precisasse acordar tão mais cedo pra chegar no horário, onde a desculpa do trânsito para o atraso nunca seria uma explicação perdoável. Não foi perdoável o que você fez comigo. Mesmo assim, não pensei em você.

Ao invés disso, pensei que o dia estava mesmo muito bom, que o frio estava mesmo suportável e gostoso, que provavelmente o sol que nasceria dali algumas horas seria excelente pra adquirir um pouco de vitamina. Eu cheguei ao trabalho sem me sentir culpada por ter deixado ninguém esperar. Não lembrei o quanto você odiava esperar. Não lembrei que por todo esse tempo eu, como uma trouxa, esperei tanto por você. Você não vai voltar, concluí. Concluí isso entre a última dose de wisky que tomei antes de dormir e o primeiro toque do meu despertador, que nada tinha a ver com o beijo que você sempre me dava pra acordar.

Acordei. 

É como sair da letargia depois de um acidente muito grave. Quando você ainda está machucada, mas finalmente consegue desmobilizar e dar o primeiro passo. Amar e não ser amado é como capotar numa estrada em curvas: talvez nos mata, mas na maioria das vezes, se a velocidade não estava tão alta, a gente só se quebra todo. O pior de um acidente não são os machucados. O pior dos acidentes é decidir continuar e sobreviver, mesmo com os machucados.

Você me feriu muito e a gente sabe. Eu não preciso ligar para te lembrar disso. Eu não preciso de nada. Sei que nas noites frias você ainda pensa no que fez comigo, no que fez com a gente. Mas nós nunca tivemos futuro. Nunca nem mesmo fomos presente. Somos aquele tipo de casal que fica bonito em molduras de porta-retratos. Em imagens preto e branco. Em lembranças sem cores, mas cheio de sorrisos, que a gente não lembra bem o que viveu, mas gosta de lembrar que viveu. Mas, no dia a dia, éramos retalhos procurando nossas pontas, tentando nos emendar sem termos partes que realmente se encaixavam. Tem casal que nasce um pro outro. Nós nascemos para dar errado.

E demos certo. E essa foi a única coisa que eu pensei sobre você na volta pra casa, quando consegui um lugar pra sentar e encostar a cabeça na janela do ônibus. Quando eu estava exausta e minha resistência para fugir de você abaixou. A gente deu certo por tanto tempo que pela primeira vez eu me perguntei por que eu chorei tanto por termos dado errado.

Não demos. Só nos acabamos. Nos acabamos e seguimos caminhos diferentes: você no interior com uma mulher provinciana, eu tentando ganhar meu lugar ao sol em uma cidade cinza. Perdendo o equilíbrio de vez em quando, mas sempre em movimento. Perdendo a compostura, a pose, a cabeça e a fé às vezes, mas sobrevivendo. Você, nem sei como você está. E pela primeira vez desde tudo, nem faço questão de saber.

Você me abandonou enquanto ainda estávamos em movimento e eu te esperei voltar para que reassumisse o controle do nosso carro antes de bater. Você nunca voltou e eu cansei de esperar. A gente sempre se cansa, sabe. Daqui pra frente o controle é meu. Eu nunca mais vou chorar por quem nunca fez questão de ficar. Nem vou perder meu tempo pensando em você.


Um comentário:

  1. Que texto lindo, me senti no lugar dela. Feliz e ao mesmo tempo triste por saber que por mais que não queira ela ainda pensa nele.
    Parabéns.
    tecontopoesia.blogspot.com.br

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