terça-feira, 24 de novembro de 2015

Sobre Privilégios e Desconstrução


privilégio - substantivo masculino: 1. direito, vantagem, prerrogativa, válidos apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria; apanágio, regalia.”



Da primeira vez que fui apresentada ao conceito de privilégios e como é ser um privilegiado socialmente, fiquei bem confusa e não me sentia privilegiada, mas vamos fazer um jogo rápido usando como personagem eu e a Fefa, que vocês conhecem bem. Fernanda é cis¹, eu também. Eu sou magra, ela também. Nós duas chegamos ao curso superior. Fernanda é branca, eu não. Ela é hetero, eu não. Ela não mora em zona periférica, eu sim. Ela e eu não somos homens. 

Nas três primeiras características, Fernanda e eu somos privilegiadas se você considerar pessoas trans, gordas e que mal concluem o ensino fundamental. Nos outros três, Fefa tem privilégios em relação ao grupo que faço parte. E por ultimo nós duas não temos privilégio nenhum. Ou seja, o privilegiado é aquele que se encontra fora de um grupo que é oprimido. Veja bem, nem sempre o grupo é composto de uma minoria, a população negra, por exemplo, é a maioria no nosso país, mas alguém branco não deixa de ter privilégios sobre nós.

Mas por que eu quis exemplificar isso? Porque reconhecer privilégios é parte essencial para que você desconstrua preconceitos e desconstruir é a chave para ser alguém melhor. Quando eu pedi o espaço pra Fefa, a ideia era escrever sobre feminismo, mas há alguns meses, eu entrei em uma desconstrução enorme sobre muita coisa e fui levada a ela pelo feminismo, então decidi falar sobre esse que é o primeiro passo. 

Como defender as mulheres e bater o tempo todo na população gorda? Como defender a população gay, mas falar de feminismo apenas para mulheres cis? Que tipo de igualdade eu busco se eu aponto e excluo o diferente? Sendo assim eu percebi que, como diriam alguns amigos “eu estava em um rolê errado”. 

Desconstruir não é nada fácil, nada. Eu não vou te falar que vivo um paraíso, sair da zona de conforto é pesado, você deixa de estar onde é confortável. É muito mais fácil andar de mãos dadas com aqueles que são privilegiados como você e te apoiam, que andar na contra mão e ser pisoteada um pouco por dia; resistir dia após dia é preciso; 

Eu não sofro gordofobia, não sei que dor é essa. Mas sei que como privilegiada, preciso mudar, as falas, as piadas, os olhares. Continuo errando, com menos frequência, mas eu ainda erro e agora o erro tem uma pegada diferente, ele te machuca. 

A partir do momento que você assume uma desconstrução, você passa a se enxergar de fora pra dentro, e apontar o seu erro e girar o dedo na sua ferida é complicado. É muito mais fácil falar pro outro, assumir suas lutas e passar reto do que não te pertence. 

Muitas vezes nós temos dificuldade de entender que não existe a “brincadeirinha” pro outro, existe a humilhação, o constrangimento. Nós, enquanto qualquer grupo privilegiado precisamos aceitar que somos opressores em potencial, e não porque somos ruins, mas porque o sistema nos cria assim. 

Porém é nos dada a chance todos os dias de nos recriarmos. Não aceite que seu deus, seja lá quem ele for, quis assim. Mudar de opinião não é vergonha pra ninguém, já dizia Raul que é melhor ser uma metamorfose ambulante que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Então, se você quiser mudar sobre qualquer coisa, sente, reflita, organize seus privilégios e a falta deles, tire a venda dos olhos, e saiba que por mais que você leve um tapa por dia uma hora eles irão virar abraços de gente que você nem notava. 

Se a Fefa permitir, volto outra hora para falar sobre aceitação e autoconhecimento. 


¹ toda pessoa que se identifica psicologicamente com seu gênero biológico.




A autora desse texto é a Beatriz J,, que vive problematizando por aí e tentando aprender a viver em sociedade. Ah, e a Fefa aqui mais que permite a volta dessas problematizações por aqui. E vocês?

Um comentário:

  1. Nossa, esse texto está tão maravilhoso que ficou até difícil escolher só alguns trechos na hora de compartilhá-lo nas redes sociais. E mais que permitir, eu exijo a volta dessas problematizações. Amei <3

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