terça-feira, 14 de maio de 2013

O Seu Presente, Que Eu Desejei




Lá vem ela tentando se equilibrar no seu salto alto. Já tem trinta anos e já aprendeu que tem que trilhar sozinha o seu próprio caminho. Ela até tenta, sabe, seu Zé, ninguém pode não acusa-la disso. Só que ficam todos também tentando trilhar para ela uma vida que ela não quer e ninguém percebe. Eu percebi, lá atrás. Quando ela parou de olhar para mim como se eu fosse seu mundo, quando ela parou de me olhar com aqueles olhos cheio de brilho. Tá vendo aqueles olhos, seu Zé? Aqueles ali, azuis, intocáveis... Diz aí se tem como esquecê-los? Eu não consigo. E a verdade é que, ainda que disfarçando, tentando, abrindo à força um caminho, com outra mulher que não tem aqueles aqueles olhos, eu não quero esquecê-los. E como poderia? Como, seu Zé? Se foi com ela que eu vivi os melhores anos da minha vida?


Aqueles olhos contam histórias que ninguém consegue ler, seu Zé, história que só eu cheguei a conhecer.  E esquecer-se deles seria como se esquecer de mim. Agora, aqui, à distância, eles me parecem tão tristes enquanto ela distribui sorrisos de felicidade por aí... Falta brilho, ali, falta a mim na vida dela. A gente não nasceu para der certo e sempre soubemos, mas tentamos porque era mais forte do que tudo esse sentimento que ainda carrego dentro de mim. Ela também carrega dentro daquele coração sempre leve dela. Coração de criança. E como criança ela vai tropeçando, caindo e errando enquanto o resto do mundo aponta o dedo no seu rosto para tentar fazê-la voltar ao caminho. Eu também poderia apontar o dedo nela e dizer o quanto ela está errada. Mas já sei que ela é teimosa, seu Zé, tem que errar por si própria para tirar dali suas melhores lições. E eu tenho um orgulho disso, seu Zé, que nem te conto.

Aliás, orgulho por aqui a gente tem de sobra, né? Eu tinha  tanta coisa para falar que sei que ela não escutaria, que fico aqui como mais um admirador perdido nas burradas que ela fez. E ela sabe muito bem que fez.  Ela ainda não percebeu que é sua maior inimiga, que perde apenas para si mesma, sabotando sua própria felicidade. Não é culpa dela isso não, ela tem medo, seu Zé, dá para ver naquele sorriso de boneca, de se entregar a alguém como se entregou a mim e se machucar como um dia só eu a machuquei. E é por isso que não a condeno nem julgo, eu saí machucado aqui também e ela bem sabe disso. A gente tem tentado reconstruir nossos cacos e abandonar aquela história só nossa que nunca devia ter acontecido.

Ela chegou aos trinta, seu Zé, dá para acreditar? Mas ainda é aquela menina carente de amor que um dia eu descobri debaixo do cobertor. E aqueles olhos grandes e cheios de medo continuam a me perseguir pelas noites insones. Ela não sabe que eu a tranquei aqui dentro e guardei a chave na esperança masoquista de ainda conseguir salvar a nós dois desse naufrágio que sempre foi iminente. E fico aqui, em silêncio, vendo a errar, tropeçando em si mesma tentando se equilibrar naquele salto tão alto, para poder me apagar da sua pele. Eles não sabem, mas a gente sim. A gente sabe que esses erros são uma tentativa frustrada de correr atrás de acertos que consiga desmanchar tudo aquilo que a gente, um dia, foi. Eu poderia até desejar a ela, seu Zé, muitas coisas, muitas mesmo, e talvez bem melhores... Talvez uma família, um casamento, alguns filhos que a gente nunca teria, ou muitos outros sonhos realizados... Mas me deixo ser egoísta mais uma vez como ela sempre me acusou de ser, e aqui, do meu canto, sem culpa por isso, eu fecho os olhos e apenas peço... Para Deus, para vocês, para ela e para o nosso amor, torto, é verdade, ainda assim um amor:

Deixem, deixem-na andar assim, aos tropeços, quem sabe, então, por algum descuido, poesia, acaso ou outro dos seus mil erros, ela caia bem aqui, nos meus braços, de vez nessa minha vida?

6 comentários:

  1. PERFEITO demais..arrasou! Meus olhos se encheram d'água, sou uma eterna traumada que ainda acredita no AMOR entre eles.
    Algun día... #Ido

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  2. LIIIIIIIIINDO, DE VERDADE! <3 /// E a verdade é que, ainda que disfarçando, tentando, abrindo à força um caminho, com outra mulher que não tem aqueles aqueles olhos, eu não quero esquecê-los. E como poderia? Como, seu Zé? Se foi com ela que eu vivi os melhores anos da minha vida?

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  3. "Ela não sabe que eu a tranquei aqui dentro e guardei a chave na esperança masoquista de ainda conseguir salvar a nós dois desse naufrágio que sempre foi iminente."

    Ela não sabe, mas nós sabemos <3

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  4. Que lindo Nanda ;o

    Vc escreve divinamente , mas quando coloca o trauma no meio ferrou ksoksok é perfeição na certa . Um mar de sentimentos e lembranças transbordam .... <3

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Comentários

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