Ele é de escorpião, eu sou de lua. E por isso eu não estou
apenas bem ou apenas mal. Tô sempre os dois, ao mesmo tempo, porque mesmo rindo
ainda carrego um peso do mundo nas costas –que ninguém se preocupa em checar
porque tenho um sorriso que apaga quase tudo pra quase todas as pessoas –E porque,
ainda mal, consigo arriscar esse mesmo sorriso que, lembre-se, convence quase
todo mundo. Quase. Mas não convence a ele. No fundo, sei que ele não entende.
Mesmo que ele diga que me entenda, que aceite minhas limitações ou repita que
vai me esperar-até-quando-você-estiver-pronta-para-falar. É por isso que ás vezes
o pego me olhando tempo demais, como se quisesse decifrar porque fico tanto
tempo calada, porque ainda resisto mesmo confiando e porque fujo além das
minhas promessas de ficar –e continuo ficando, mesmo tentando escapulir.
Tenho medos inenarráveis e traumas inesquecíveis, mas tento
levar numa boa e fingir que eles não existem. A gente tem que dar um jeito de
sobreviver. De fingir que seguiu em frente. De convencer que não se machucou
naquela primeira decepção, que meio coração não se perdeu na primeira mágoa,
que descobrir que foi tudo ilusão não matou um pouco da confiança que se tinha
pelas pessoas. As pessoas mentem e, sinceramente, nem sei se é por mal. Acho que
a maioria de nós acredita em alguma coisa fielmente num segundo –mas um segundo
é o suficiente pra destruir tudo. E então nos tornamos inconstantes prometendo
coisas vazias, porque não há nada que garanta promessas eternas. Eternidade
existe? Sempre tive medo de para sempre, mas tenho mais medo ainda de um certo
para sempre terminar.
Olha a ironia, não sou boa com palavras –ditas, ao menos –Escrever
parece ser mais fácil porque escrever esconde minha voz e, com isso, também,
minhas lágrimas. Falar de certos assuntos ainda me machuca. Mas não falar não
cura velhas feridas. É um caso complexo que ninguém entende –nem você, nem ele,
nem eu mesma e é assim. Talvez por isso eu não diga tanto quanto sinto. Ele
gosta de ouvir. Como é estranho que entre tanto barulho que eu causo –e gosto –sou
silêncio constante. Mergulhada em vários deles pra me esconder e esconder de
mim mesma os medos que não consigo nem quero nem posso nem entendo nem sei
explicar. É minha grande fuga –de mim mesma e não de todos os outros –Tentando ser
forte pra aguentar o que carrego no peito. Chorando a noite quando já não consigo
suportar.
É difícil tirar de dentro da gente o que a gente não consegue
explicar. Colocar em palavras o que a gente só consegue sentir. Expor nossos
medos para os outros sem saber o que isso vai lhes causar. Convidar alguém a
entrar na nossa casa tem essas coisas: a gente pode esconder a poeira debaixo do
tapete e esconder a bagunça trancando o armário –como a gente faz quando a mãe
obriga que arrumemos o quarto, sabe? –Funciona por uns dias. Funciona se a
pessoa não for ficar por muito tempo. Mas quando a gente quer que ela fique pra
sempre, acaba se delatando e entregando a sujeira. Literal ou não, você entende?
Uma hora se saca que não tem como tudo ser perfeito assim, arrumadinho assim e
o teatro se desfaz. Feito passe de mágica. Ou de amor. Ou de um cansaço meio
súbito de fingir que está tudo sempre bem quando, na verdade, quase tudo vai
sempre mal. Emprestar um ombro amigo é mais fácil que pedir um ombro amigo –pelo
menos para mim –Nunca neguei uma palavra, uma mão, um conselho, um puxão de
orelha e meu ombro pra ninguém. Nunca pedi nada disso a ninguém. Ser forte é
uma merda, não sabem? Ser forte o tempo todo é a maneira mais clara de dizer ao
mundo o quão fraco se é e o quanto você precisa
de ajuda.
Raramente uso a palavra preciso. Mas tenho precisado
daqueles ombros de um jeito que é difícil expor. E daquele sorriso. E das
piadas ruins. E daquele ciúme que me irrita muito, mesmo ele ficando fofo sem
conseguir esconder o medo que tem de me perder. E, principalmente, daquele abraço que parece que consegue me proteger de tudo (até de mim). Ele faz quase tudo errado,
quase sempre. Depois pede desculpa com a naturalidade como diz que me gosta –como
se fosse assim, simples como respirar, complexo como respirar –Difícil explicar.
Ele é de escorpião, você me entende? Apesar de vingativos e rancorosos e ter
tudo de ruim que o zodíaco promete, eles são românticos, sinceros e justos.
Ele, especialmente, gosta de ouvir. Não se contenta com
gestos, carinhos e olhares que distribuo. Quer que eu vença uma barreira
invisível e me entregue de uma vez, sem conferir o equipamento de segurança ou a
altura desta vez. É difícil pra mim e é difícil pra ele entender que, do lado
de cá, lidar com sentimentos não é assim tão fácil como parece ser do lado de
lá. O lado de lá é meu lado também, sei disso. Queria que ele soubesse que
apesar dos meus silêncios inexplicáveis, o lado de cá é apenas dele –pra sempre. É que diferente dele e apesar de me
transformar em sentimento entre letras, vírgulas, pontos e exclamações, aprendi
desde cedo que as melhores coisas da vida não podem ser expressadas em palavras
nem resumidas a frases. Elas ficam em gestos, olhares e todas as vezes que a
gente insiste em ficar mesmo sabendo que seria mais fácil ir. Todas as vezes
que lutamos mesmo com todo mundo contra. Todas as vezes que a gente tira um pouco
da poeira de debaixo do tapete pra estragar a limpeza. Todas as vezes que
abrimos um pouco o armário sem medo do que vai cair dali de dentro –mesmo que
ali estejam presos nossos maiores medos.
Convidar alguém pra nossa vida tem dessas coisas. Desejar
que elas fiquem para sempre tem seu preço. Fica quem quer, paga quem puder.
Sou de lua, repito. Mas sou dele.
E só dele. E talvez,
só talvez, dos silêncios que mergulho toda vez que sou engolida pelo medo de
que nossa história chegue ao final de um jeito meia boca, exatamente como esse
texto aqui.
"Ser forte o tempo todo é a maneira mais clara de dizer ao mundo o quão fraco se é e o quanto você precisa de ajuda." SEM MAIS.
ResponderExcluirFernanda, olho seu site todos os dias e me identifico muito com seus textos. Você é uma ótima escritora. Beijos, isabela
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